quinta-feira, agosto 24

347. Encerramento

Depois de dois anos do Holandês Voador/Machadada, encerro minhas profícuas e prolixas actividades neste blogue. Mas não paro, e sim, troco de endereço e nome:

Granada de bolso.

Sem mais.

terça-feira, agosto 22

346. Em direção ao futuro

Introdução fragmentada

O timer biológico ligou. Na hora de referência, eram 9 horas do GMT-3. Sim, era difícil falar as horas assim, mas era a denominação oficial baixada por decreto e acertada pelas grandes corporações na Organização Mundial do Comércio há uns quinze anos. Não se podia usar o termo manhã porque era politicamente incorreto. Mas, as novas resoluções da Organização de há dois anos atrás, fizeram o mundo adotar o sistema de contagem de tempo por graus, proibindo o velho sistema de horas. Houve um ano de transição, onde os dois sistemas eram considerados válidos; depois desse anos, o sistema de graus passou a ser o único vigente e válido. Muito embora os relógios de rua mostrassem a hora mundial em graus, havia gente que não se acostumava e mantinha os velhos relógios de fuso e hora no pulso, embora tal fosse proibido pelo Conselho Regional da América do Sul - de acordo com as diretrizes da OMC - e passível de multa. Bem, o timer biológico, que é um tipo de caixinha que, monitorando seu sono, consegue definir a hora exata que você vai levantar e, como um cronômetro, começa a marcar a sua manhã biológica.
Por isso que nossos relógios têm dois campos de tempo: um com os graus do tempo mundial, como referência e o outro, que recebe uma radiofreqüência do timer biológico, e dali calculamos quando vamos entrar no trabalho por exemplo, ou a que horas as crianças vão às aulas. Tudo isso, inicialmente, pareceu que resolveria o velho problema da Humanidade com o tempo, mas, tendo em vista o atual estágio da nossa Civilização, desde que os Estados Nacionais foram abolidos pelas grande corporações que votaram em teleconferência, primeiro que não pagariam mais impostos, pois quase todos os serviços públicos lhes haviam sido outorgados e, votaram na seqüência, a extinção dos Estados Nacionais.

segunda-feira, agosto 21

345. Vai tomar no olho do teu Mercosul!

Esse frio imprevisto e polar que se abateu sobre nós paulistanos hoje, só pode ser coisa da Argentina. Afinal, todo diabo de frente fria e jogadores de futebol que parecem o corcunda de Notre-Dame vêm de lá.

(Da série Postagens com títulos construtivos)

quinta-feira, agosto 17

344. Velhas lições

A formiga e a lupa

Em alguma época da década de 80, o meu avô me deu uma lente de aumento com cabo, uma lupa, grande e com uma lente pesada, que aumentava os objetos umas dez vezes. Lembro-me do primeiro uso para a lente que vovô me ensinou:
Mira, hombrecito, você pega a lente, no sol... assim. Vai aproximando ou recuando até essa bolinha de luz no chão... está vendo? Até ficar bem pequenha... i quando ficar ben pequenha - non põe o dedo, só non pode poner o dedo, porque queima, eh? Quando ficar ben pequenhita, você leva a lucinha até uma formiga, un bessouro... mira, acá ten una formiga... você põe a luzinha ben em cima dela... viu? Mira lá... saiu até uma fumacinha...

quarta-feira, agosto 16

343. Horas de ponta e mola

Horas de ponta e mola
(Banda do Casaco)

Música: Nuno Rodrigues
Letra: António Avelar Pinho
In: «Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios», 1975


É um sujeito é um escritório
uma gravata, um suspensório
uma conversa de latrina
é um verbete, uma aldrabice
é um trabalho, uma chatice
entre fumo e aspirina.

É numa rua o pôr da sola
calçada nas horas de ponta e mola
são conversas de cotovelo
é um eléctrico um pendura
um regresso e uma tontura
é um sorrir muito amarelo.

É uma casa uma família,
uma torrada um chá de tília,
uma conversa de fastídio
é um chinelo e um menino
televisão com o Vitorino
a lentidão de um suicídio.

É numa rua o pôr da sola
calçada nas horas de ponta e mola
é um silencio e um ritual
são os lacaios do comendador
são as gravatas sem cor
na procissão dum funeral.

Áudio.

domingo, agosto 13

342. Panzer rollen in Libanon vor

Opinião amadora sobre o invasão israelense ao Líbano.

Sempre tive simpatia pelo Estado de Israel. Acredito que todo povo tem direito a uma terra e à autodeterminação. Porém, a decisão de invadir o Líbano é extrema e só tem produzido mais uma das tantas barbáries que vemos pelos meios de comunicação.
A invasão do sul do Líbano - não só do sul, pois as Forças de Defesa de Israel já avançam sobre o leste libanês - é injusta pelos já clichesados motivos: quem paga a conta são os civis e a população que não tem como fugir. Além do mais, tem um certo ponto de ilegalidade: quem produziu os ataques foi um grupo miliciano - o bendito do Hizbollah - e não o Governo libanês, portanto, a invasão ao território administrado pelo Governo libanês é ilegal, mesmo que haja (como há) membros do Hizbollah no Governo. Mas os ataques contra Israel não foram aprovados pelo Parlamento do Líbano e nem foi aprovado pelo seu Conselho de Ministros. Seria justa a retaliação por parte do Líbano ou pedir a Israel indenização pelos prejuízos causados pela Aviação israelense, o que vem minando a parca infraestrutura do país, que já foi consumido por quase um vintênio de guerra civil.
Evidentemente que a ONU deveria condenar veementemente os ataques e impor algum tipo de embargo ao Estado Israelense, cuja invasão do Líbano, aí sim, passou por todos os trâmites burocráticos estatais para ser levada a cabo, inclusive tendo amplo apoio popular, sengundo algumas pesquisas publicadas pelos periódicos. Porém, a ONU já se mostra tão incapaz como a sua predecessora, a Liga das Nações, a mesma que não conseguiu impedir a remilitarização da Renânia por parte da Alemanha Nazista e muito menos segurar as pontas e evitar a Segunda Grande Guerra.
E, mencionando os alemães, parece-me que, os então futuros israelenses, apesar do patíbulo que se lhes converteu a Alemanha sob Hitler, aprenderam muito também.

sexta-feira, agosto 11

341. Diário de viagem de Belgrano (II)

Da península Antártica a Bahía Blanca

Belgrano apareceu de improviso em São Paulo no último 30 de julho e, portanto, há-de relatar-se o seu caminho da península Antártica até São Paulo. «Você será responsável pela atualização do meu diário, Venardi» informou-me o simpaticamente temperamental pingüim, «haja vista que não tenho mãos para segurar as canetas, então, gravo os relatos no meu mp3 player e lhos mando via internet... você só terá de transcrevê-los».
Belgrano é nascido em Ushuaia, hispanofalante e portador de passaporte argentino. Dono dum castelhano de fazer inveja a Cervantes, mas também falante de um português digno de Machado de Assis; e ele tem suas explicações para tal façanha: «Já disse Borges que, o português é uma variante do espanhol... ou vice-versa». Mas saindo das questões lingüísticas do nosso amigo, vamos relatar o período desde sua saída da península Antártica até São Paulo. Belgrano conheceu na Base Esperanza, um argentino de Buenos Aires que saía eventualmente da base para coletar umas pedras; Belgrano passou a segui-lo e conquistou sua simpatia e volta e meia, dava a Belgrano algo de comer; e deu a Belgrano ainda o nome que porta consigo hoje: «É o nome de um prócere e, você como um pingüim da Antártida Argentina, merece um nome digno», disse-lhe o Argentino, que era biólogo, incutindo assim o sentimento nacional no pingüim. Belgrano tornou-se argentino e aprendeu castelhano seguindo o biólogo onde quer que ele fosse, principalmente se estava acompanhado. O dito argentino, quando não estava acompanhado, estava de fones, escutando música, e Belgrano impressionou-se muito com uma que dizia «Caminante, no hay camino, se hace camino al andar». Gostou tanto que acabou por roubar o walkman do argentino com a fita dentro. «Belgrano, que coisa! Você roubou o walkman do biólogo?», perguntei admirado. «A nós, animais são permitidas coisas que vocês humanos proibem a si mesmos de fazer, como esse empréstimo compulsório e inadvertido. Se um de vocês rouba algo, na melhor das hipóteses apanham, como acontece com alguns que são pegos furtando em supermercados... já li a respeito nos jornais. E nós, com o salvoconduto que somos irracionais, pegamos o que nos apetece e ainda acham bonitinho... como acontece nos parques: "olha, que gracinha o macaquinho, puxou-me o sanduíche sas mãos" ou "olha que maritaca esperta" à maritaca que enfia sua cabeça verde dentro do saquinho seboso de pipocas murchas. Vocês nunca foram livres como nós somos, apesar das adversidades da Natureza, às quais estamos mais expostos que vocês». Belgrano explica ainda que aprendeu o riscado num livro que chegou boiando à praia: «Nas nossas praias austrais, tudo que bóia aos naufrágios vai lá parar» e diz que certa vez, chegou boiando um livro sobre comportamento animal. Interessou-lhe particularmente, como me disse, os relatos sobre a pega. «É uma ave muito esperta... e eu como ave também, resolvi seguir-lhe o exemplo».
E dessa maneira, Belgrano, agora batizado e detentor de uma nacionalidade, conseguiu, pelo método da pega, juntar um cabedal de objetos, os quais mantinha escondidos numa gruta de gelo. Objetos de todo o tipo que o ajudaram a montar a bagagem para a longa viagem que começaria a empreender em breve, muito embora não soubesse ainda.
Da península à Ushuaia, na Terra do Fogo, Belgrano fez a nado, volta e meia vendo a morte dos cabelos cacheados sobre as ondas. Chegado a Terra do Fogo argentina, viu que precisaria duns papéis impressos de diversas cores e uns discos de metal gravados. «Vi que vocês usavam aquilo para tudo, e que deveria ser muito importante; e não tinha nada parecido com aquilo comigo». Usando das faculdades aprendidas à pega do livro, o nosso caro pingüim puxou da carteira de um velhinho para ver os benditos papeis: «Era bonito e tinha números impressos, e cores diferentes... era o bendito do dinheiro, do qual eu só tinha conhecimentos abstratos... inclusive vi o meu homônimo na nota de 10 pesos...» de posse de umas dezenas de pesos, enfiou-se num caminhão de galinhas que ia para Bahía Blanca. A Belgrano não lhe aprouve a companhia de viagem. «Galinhas são animais limitados e repetitivos. Não se consegue manter um diálogo com elas que dure mais de uns tantos segundos, fora de só falam de milho e duma luz que as acompanhou durante toda sua vida até ali - imagino que sejam as lâmpadas que põe nas granjas. E eram galinhas poedeiras de cerca de um ano... o que para elas é já a senectude absoluta». O trajeto até Bahía Blanca teria sido ótimo se não fosse pelos cacarejos intermitentes, as galinhas simplesmente não se calavam. «Foram horas de tortura».

Continua...

quarta-feira, agosto 9

340. Pequenas neuras

Me dá nos nervos quando alguém usa, na fala, o imperativo de forma correta. Ainda mais com você. Irritantemente correto.

terça-feira, agosto 8

339. We all live in a russian submarine

Acredito que a frase - que é também título de uma paródia de «Yellow submarine» feita pelos irmãos Caruso - resume bem como nos sentimos aqui em São Paulo. E pela terceira vez.

segunda-feira, julho 31

338. Diário de viagem de Belgrano


Belgrano em São Paulo

Belgrano, um simpático pingüim-de-magalhães, está de passagem por São Paulo. Segundo o que ele me relatou, o que mais o impressionou foi o fato de não vermos a morte, que a todo instante acerca-se-nos. Conversávamos na sala de estar e ele batia as nadadeiras contra o corpo produzindo estalos parecidos com palmas. «Como pode?! Vocês não vêem nada!»
Contou que, assim como se vê a morte nas gravuras, ela não foge muito em aspecto. «Só que não deixa que lhe vejam o rosto», complementou Belgrano. Ele afirma que o rosto de caveira que atribuimos à morte é inveção nossa, e a eles, pingüins, lhes é permitido ver seu rosto. «No estreito ou na península, ela vem montada num leão-marinho, sobre as águas - que pra nós, é a própria idéia da morte, entende? - com a mesma capa preta e a foice de cabo longo. A única diferença é que pra nós, ela aparece com a cabeça descoberta... porque, com a beleza do seu rosto e dos seus cabelos, faz os pingüins todos pararem na praia, estupefatos... aí vem os leões-marinhos e... bem, você já sabe o resto.»
Belgrano continuou relatando que em São Paulo, em poucos dias da sua estava, viu a morte em diversos lugares. Uma vez, sentada sobre o semáforo de um perigoso cruzamento e sem capuz, deixando os longos cabelos negros e ondulados esvoaçando no vento frio de inverno; outra vez, no metrô, na beira da plataforma sentido Corinthians-Itaquera da estação Sé, um passo depois da faixa amarela, deixando os cabelos voarem com o ar empurrado pelo vagão para dentro da estação e raspando a lâmina da foice na pedra da beira da plataforma, melancolicamente. «Sorte de vocês que não a vêem... as mortes seriam em dobro». E Belgrano diz que ela anda por aí, no encalço dos corajosos e de quem arrisca demais; na porta dos hospitais, atrás dos já feridos pela sua gadanha, mas que precisam de um segundo golpe, «de misericórdia, por assim dizer».
Voltamos aos temas das suas viagens. Disse que passou em São Paulo só para me visitar: «Não gosto muito de São Paulo, é uma cidade feita pela classe média e para a classe média... não tem raízes e não se pensa duas vezes em trocar a história pelo dinheiro». Belgrano diz que pretende conhecer o mundo. Isso é, se a morte dos cabelos ondulados e esvoaçantes o deixar fazê-lo.

sábado, julho 29

337. Poësia plus-quam-vagabunda (III)

Filhos e netos dum païs órfão
[incompleto]

Foram já os tempos
de sete de setembro pomposos
e generais garbosos
escondidos sob óculos escuros,
uns loucos bem-comportados.
Foram já os tempos
de decorar os nomes dos ministros
de saber a correspondência
dos Estados e das estrelas.
Foi o tempo de caçar comunistas
que assolavam os armários das criancinhas
muito mais que o homem do saco.
Foi o tempo do Espírito Nacional,
de Itaipú
e de devolver troféus a Stroessener,
que como a Transamazônica
que liga nada a lugar algum,
ligam nada a tempo nenhum.

Foram já os tempos
das músicas pop-ufanistas,
os tempos de «eu te amo, meu Brasil!»,
e do Hino Nacional cantado na escola
antes que batesse o sinal.

Foram já os tempos das restrições,
da «democracia indireta»
e da «revolução de sessenta e quatro»
e dos filmes nacionais de tema histórico.
Extintos também
os uniformes escolares com galardões militares.
Acabou-se o carrossel
dos generais que se alternavam,
acabou-se o Milagre,
mas o Delfim continua por aí.
Brasil uno, do Oiapoque ao Chuí,
Médici com a taça do mundo sobre a cabeça.
Tempos que se perderam nas páginas amarelentas.
[...]

quarta-feira, julho 26

336. Um filme ferpeito


Crime Ferpeito (Crimen Ferpecto, Espanha/Itália, 2004). Rafael González (Guillermo Toledo) trabalha como vendedor na seção feminina de uma elegante loja de departamentos. Depois de perder a promoção para o seu rival Don Antonio (Luis Varela), sua vida começa a desmoronar. Don Antonio morre acidentalmente e Rafael tem de se livrar do corpo. A única pessoa que pode ajudá-lo é a feiosa Lourdes (Mónica Cervera), que não demora a chantageá-lo para que ele se torne seu marido. (sinopse do Cineclick)

Filme excelente - e a sinopse, convenhamos, não faz juz. Em cartaz no HSBC Belas Artes.

quinta-feira, julho 20

335. Curta fábula urbana (VIII)

Cinco centavos

Ao Donato.

Germano era daquelas pessoas que sempre se esforçava para ajudar os outros: quando dava uma esmola a um pedinte ou ajudava um cego ou uma velhinha a atravessar a rua, dormia bem por semanas seguidas sem de ter de repetir o ato, não era absolutamente viciado nem partidário do politicamente correto, só nas aparências, é claro.
Aconteceu que, certa vez, Germano estava com um amigo num café - café aqui é um eufemismo, poderia ser, e quase certamente o é, uma lanchonete fedorenta, um bar risca-faca ou um comida-rápida cretino. Mas não importa muito, o que importa é que Germano estava com um amigo no balcão de uma casa comercial de comestíveis e bebidas, em baquinhos quase juntos à porta, no centro da cidade. Trocava umas impressões com o já referido amigo, quando se lhe aproximou um pedinte vindo da rua e havia burlado a flácida vigilância do roliço aprendiz de leão-de-chácara que estava a porta. O pedinte cortou a conversa:
— Ei, amigo, você poderia me arrumar um trocado?
Germano, compungido pelo aspecto miserando do mendigo e pelo forte odor que começava a alastrar-se pelo ambiente, enfiou rapidamente a mão no bolso e de lá tirou a única moeda que achou, jogando-a de chofre na mão que pedia silenciosa e esticada. Voltava já ao ambiente da conversa, quando Germano percebeu que o vulto do pedinte continuava à beira da sua visão periférica, como um borrão e, tampouco o fétido miasma havia se dissipado.
Virou o rosto a ver por quê ainda estava prostrado ali o homem. Virou-se e deu de cara com os olhos castanhos do mendigo que devorava a Germano com o olhar fero e a mão espalmada ainda, tendo bem no meio da palma, a castanha moeda de cinco centavos, escura, parecia um furo. Foi o que lhe saíra do bolso.
— Chefe, não tem mais um pouco...?
Germano tinha somente, acima daquela moeda, uma nota de cinco reais. Não, cinco reais é muito para ser dado de uma única vez a um único pedinte, Pensou rapidamente e deu-se conta de que, com cinco reais poderia dar até dez esmolas, sendo cada uma numa prateada moeda de cinqüenta centavos, um baronete para cada um dos dez necessitados do futuro próximo. Também lhe pareceu despropositado ir até o caixa do bar-boteco-cafeteria e pedir que lhe trocasse a cédula. O afortunado recebedor dos cinco centavos teria de contentar-se com os cinco centavos que lhe foram destinados pelos desígnios divinos, de estarem ali, no bolso de Germano, da benevolente mão direita de Germano os terem tirado do bolso e posto-os nas crostosas mãos do mendigo.
— Não, não tenho mais... - respondeu Germano virando o rosto para o copo de café que estava sobre o balcão. A conversa já havia perdido o seu fio.
O mendigo começou a afastar-se em direção a porta, raivoso e resmungão. Germano ouviu e comentou com o amigo:
— Afinal de contas, que queria esse tipo? - resmungou Germano.
O mendigo ouviu, apesar da imundície nas suas orelhas. Prostrou-se na calçada, de pernas afastadas e começou a ameaçar Germano, com umas palavras falhadas.
— Tá achando que fez muito é?! Com isso aqui - segurou a moeda entre o indicador e o polegar da mão direita, mostrando-a a toda a assistência do balcão do bar que, agora, tinha um espetáculo privado.
Germano virou a mirada para dentro do balcão, ignorando os impropérios. O mendigo berrou mais um pouco e erguia a moeda de cinco centavos ao céu, quase como faz o padre durante a missa, quando consagra a hóstia, e com a cabeça erguida aos céus, clamando pela justiça divina. Vendo que Germano, a duras custas o ignorava, num ato de suprema raiva, atirou a moeda de cinco centavos em direção a Germano, com força. A moeda bateu no balcão, perto da perna do amigo de Germano e dali bateu no chão, onde deslizou por um meio-metro ainda, parando perto dum vaso de comigo-ninguém-pode que ali havia.
Quando germano olhou, atraído pelo barulho do movimento, logo viu a moeda num derradeiro deslize em direção ao vaso. Virou-se bruscamente para olhar ao mendigo e esse já pisava duro em direção ao viaduto, gesticulava e andava. Toda a assistência do bar mirava Germano que, de improviso levantou-se, de uns poucos passos curtos e recolheu o dureto do chão. Os bebuns do balcão - excelsa e digna assistência - ficaram silenciosamente observando Germano, que ao fim exclamou:
— Se ele não quer, tem sempre alguém que quer.
Evidente que o sono de Germano turbou-se pelos dias seguintes, até que ele conseguiu, quase uma semana depois, dar a bendita moeda a um daqueles pedintes que ficam sentados com a mão aberta e nem olham o que lhes cai a mão, mantendo sempre a cabeça baixa e agradecendo com um murmúrio mecânico e metálico: «Que Deus lhe pague» ou «Que Deus lhe dê em dobro», «Que Deus lhe abençoe» e outras tantas fórmulas invocando a intervenção divina. E foi ali mesmo, nas imediações do bar-lanchonete-café, quase junto ao viaduto, uma velhinha magrinha, morena recebeu a moeda de Germano; exatamente aquela moeda de cinco centavos. Não levantara a cabeça a miseranda senhora e agradeceu com uma qualquer das fórmulas-chavão. Depois sim, Germano voltou a dormir com regularidade.

segunda-feira, julho 17

334. Vale um Pulitzer?

O primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi acena ao correr da chuva durante encontro do G-8 em São Petersburgo, na Rússia. 17/07/2006. Foto: Jan Bauer/Associated Press/Agência Estado.

333. Desde Argentina

Mais aqui.