segunda-feira, novembro 15

Canalhices de todas as tendências

O canalha de direita

Sou colonialista à moda antiga; esse colonialismo econômico sob o qual vivemos não está com nada. Tinha de ser muito macho (perdoem-me a grosseiria) para mandar colonos para o meio do nada - ou dos tépidos pantanais tropicais, ou dos desertos secos e intragáveis - e tropas para reprimir os nativos - afinal, o que entendiam eles da Civilização? Nesses quesitos, não há nação igualável aos britânicos - «rule Britannia, Britannia rule the waves!» - o sobrano inglês (rei da Inglaterra, Gales, Irlanda, Escócia, Imperador da Índia e defensor da Fé, pela graça de Deus) erguia soberbo sua xícara de chá desde Buckinghan e fazia sombra sob um Império que conteve já um terço das terras do planeta, um império onde o Sol, nem o Astro-rei jamais se punha. E levou a Civilização a lugar onde ela era simplesmente uma abstração, como na África, por exemplo. Não só os britânicos têm parte nessa glória, sejamos francos: têm sua fatia a mãe França, a irmã Bélgica, o órfão Portugal e até a neonata Itália tem lá seus louros (não nos esqueçamos do excelso Império Colonial Italiano, mas deixemos somente a lembrança, pois isso rende assunto para toda uma postada). Antes da intervenção civilizatória na África, por exemplo, as tribos incivilizadas e desprovidas de qualquer cultura (ocidental, é claro), matavam-se e aniquilavam-se em guerra intermináveis, onde os chefes das tribos disputavam o poder pelo poder. Depois que a madre Europa tocou-os com o cetro do Progresso e da Civilização, as mesmas tribos (ou juntas as inimigas pelas geométricas e regulares fronteiras traçadas pelos Europeus ou separadas as etnias por elas) continuam ainda num terrível fraticídio só que com organizados exércitos regulares, tropas bem uniformizadas, marchas ao som da língua-mãe do ex-colonizador (geralmente ainda padrinho cultural e patrão econômico) com suas reluzentes tropas e trompetes; ou seja tudo no melhor estilo civilizado e europeu.
O canalha de esquerda
A União Soviética faz falta? Certamente que faz! Uma falta tremenda. Muitos costumavam-na chamá-la de máquina estatal burocrática e anquilosada, o que é uma baita duma mentira e certamente propaganda das agências de inteligência dos governos ocidentais pequeno-brugueses. Por causa dessa minha posição, fui tachado feixista de esquerda (!). Pior pensar que a gloriosa União Soviética naufragou por que revoltadinhos joga-chupeta-na-sopa (depois explico o conceito) nas repúblicas-irmãs federadas deram asas a fantasiosos nacionalismos (que nunca tiveram motivo de ser e não passam de imensos egoísmos colectivos, plantados pela insidiosa Águia Americana), e esses pequeno-burgueses revoltadinhos porque não podiam comprar seus carrinhos e suas torradeirinhas extra-muros, fora outras porcariazinhas. Incendiados pelo maléfico espírito do consumismo desenfreado dos ocidentais capitalista (culpa do camarada Mihaïl, não é?!), destruíram em nome desse consumo, a espledorosa União, forjada pelo fogo da amizade dos povos e guiada pela luz da lanterna de Lênine.
Agora, cada pérola da União transformou-se em paisecos sem nenhum peso no cenário geopolítico. Enfim, logo que a União desmanchou-se sob a égide do egoísmo, os famigerados Estados-Unidos (país tão vil que é até desprovido de nome), quando seviram a única superpotência, trataram logo de pôr de fora seus asquerosos tentáculos, principalmente com a administração do Grande Arbusto, guru sanguinolento e tripudiador.
Se a União Soviética existisse ainda, os Estados-Unidos jamais teriam invadido o Afeganistão, já que a libertação deste país já teria sido feita pelos soviéticos, que a começaram, mas não a terminaram (1981-9) e certamente, o Afeganistão, grato de não ter caído na barbárie do fundamentalismo, teri pedido à URSS de ser também uma república sob a benevolente e generosa régia de Moscou. Muito menos o Iraque teria sido invadido, já que o camarada Saddam era entusiasta fã do camarada Stálin e seguidor dos seus melhores métodos de administração e governança (por isso também seu bigode à Stálin). A Alemanha seria ainda duas - afinal, já viveram tanto tempo até 1871 separados, para que juntar; e juntos são perigosos. Viva a RDA! Talvez tivesse ocorrido até o contrário, a Alemanha teria unido-se não sob o capitalismo nojento da Alemanha Ocidental, mas sob a fulgurante égide do trabalho e do socialismo. RDA do Reno ao Oder!
Também a União Européia não teria de aturar os insistentes pedidos de ingresso dos países egressos do velho Comecon (Conselho de Assistência Econômica Mútua, a versão comunista da União Européia que provavelmente já teria suplantado).
Ou seja, tudo estaria melhor para todos.

3 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Todo mundo é um pouco stalinista. Ah, saudades!

terça-feira, novembro 16, 2004 11:51:00 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Adorei a imagem "erguia soberbo sua xícara de chá desde Buckinghan...". Pela volta da canalhice clássica!! Fora a canalhice neo-liberal!
bj, eva

terça-feira, novembro 16, 2004 1:33:00 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Você foi tão convincente que eu fiquei em dúvida: a que lado aderir? Mas eu acho que hoje em dia existem outros tipos de canalhice a serem aproveitadas: tente a do estilo do Tony Blair ou do Lula: eu sou de esquerda! Não fui eu quem mudou, mas a esquerda que se deslocou no eixo político...Que tal?

Miguelson

domingo, novembro 21, 2004 1:10:00 da tarde  

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