sexta-feira, dezembro 31

As últimas do ano

O maremoto
Um terremoto nas profundezas do Índico originou um maremoto. Turistas ocidentais (são ou não são um praga, estão em qualquer rincão perdido do Oriente) e habitantes locais varridos e trazidos à praia novamente inchados feito porcos. É realmente um triste fim, morrer salpicado de moriscadas de peixes necrófagos e camarões que igualmente são chegados numa carniça. Realmente foi assustador ver a água vindo, como mostrou a televisão, e varrendo tudo quanto encontrou. Parecia um daqueles notórios filmes-catástrofe estadunidenses. Desta vez não tivemos um milagre de Natal, mas sim uma desgraça natalina de grande magnitude.
Calculam, segundo li no Estado que o sucesso seria já o maior incidente dessa espécie registrado até hoje; o número dos mortos chegaria já a 100 mil (quarta-feira, 29 à noite, hora de Brasília). Os governos ocidentais estão berrando: «não queimem os corpos, precisamos reconhecê-los!», tendo em vista às tradições indianas neste sentido e o costume de fazê-lo, principalmente em situações similares, afinal, como enterrar 100 mil mortos?
Foi assustador; segundo as informações dos serviços geológicos estadunidenses publicadas pelo Corriere della Sera desta quarta, o eixo da Terra inclinou seis centímetros, o Himalaia aumentou de tamanho (visto que o tremor foi no extremo da placa do subcontinente indiano) e o dia encolheu 3 microssegundos (?!). A cada 3 milhões de dias (ou seja, a cada 8.223 anos, um mês e dez dias), perdemos um. Ou seja, dias menores virão.

A Ucrânia e sua revolução laranja
Viktor por Viktor, ou ainda ficava com Yanukovitch (filorrusso, como o classificou o Corriere). Gostei do depoimento duma pensionista pega a esmo pela rua em Kiev: «voto em Yanukovitch para que os americanos não roubem a minha pensão». Ela tem razão? Talvez até certo ponto não deixe de estar errada. «Tem agência da Vossa-Caixa em Kiev, sr. Gerente?», «Não meu caro auxiliar administrativo..., o banco pensa em abrir um escritório comercial ou em Nova York, ou em Luxemburgo talvez... porquê?» «É porque lá, por causa da revolução laranja, os bancos estão fechados por tempo indeterminado...».
Essa do lenço laranja usado a rodo nos protestos é muito boa também. Tradicionalmente, quando um rapaz corteja uma moça ucraniana, se essa não for com a cara do mancebo, amarra ao pescoço um lenço laranjão, para demonstrar a rejeição. Será que na Ucrânia o eleitorado casa com o presidente? Inda bem que nasci auriverde.
E aquela palúrdia daquela milionária que aparece apoiando Yushchenko? Com as tranças à moda da campanha ucraniana? De caipira aquela espertalhona só tem a fuça sardenta; reza que ela é dona de meia Ucrânia. Dá pra confiar em arrivistas? Como sei que ela é arrivista? Bem, é uma mulher dos seus quase quarenta anos. O que ela fazia na época da União Soviética? Ou estava atrás de algum balcão de farmácia ou limpava o forno de alguma padaria. Acredito que a Ucrânia tenha votado mal, como nós fizemos já (vide caso Collor) e pode ser que tenha muito se arrepender num futuro não muito distante.
Então veremos a revolução amarela. Alguma outra tradição ucraniana? Não, pura hepatite.
Resoluções para o Ano-Novo
Estudar mais (afinal, ando uma negação).
Aprender catalão de modo decente (sobreviurem nos-altres?).
Aprender uns palavrões em ucraniano (para ofender sem ser detectado).
Deixar de ser tão idiota.
Um abraço para todos e bom Ano-Novo.

domingo, dezembro 26

Apresento-me

Olá a todos.

De acordo com o concurso realizado pela Casa Real do Condado da Venardia, eu, Maria-Eleftheria Papandreou tomo posse como Assessora deste blogue, em auxílio à Sua Dignidade el-Conde De Venardis - que tem andado um poquinho esclerosado ultimamente. Minha função será auxiliá-lo nas suas faltas de memória, p. ex., quem compôs determinada obra musical, datas e lugares que ele comummente esquece-se, carregar suas taças e escolher o seu vinho - já que sou especialista em enologia, enquanto o Sua Dignidade é somente um bom conviva - e agir como auto-crítica (como no Postiçagens), já que Sua Dignidade é dela desprovida. Prover também seus problemas quanto à prosódia de línguas estrangeiras, principalmente nas eslavas, turcas e fino-úgricas. E encontrar raridades na Interrede, como a versão punk de Bozhe Tsariá Khrani (Deus salve o Czar) que encontrei.
Eu já exercia a função extra-oficialmente, mas fui agraciada - via concurso - com o cargo oficial. Também acumulo as funções da Ouvidoria-geral do Condado, então se tiverdes algum problema, podem reportar-se à tia Elefthéria, via Orkut; encontro-me dentre os amigos do excelso Conde.
Serei então, a contar desta data, constante presença neste blogue.

sábado, dezembro 25

Natal e Ano-Novo

Natal

Out-doors com chesters gigantescos, shoppings iluminados; já chegou o Deus-menino para o nosso bem, o Deus Consumo; este demônio que se apodera das pessoas nesta época do ano. Onde está o Cristo? Tristonho, sentado a direita do Pai, inconsolável, vendo que o seu martírio foi inútil, que seriam necessários algumas centenas de suplícios sobre a cruz para purgar os nossos pecados, que devem estar na casa dumas três toneladas por pessoa. Que adiantou, se continuamos os mesmos que vendiam dentro do templo? Profanamos e invertemos o sentido de um dia, que mesmo para os ateus, converter-se-ia num dia de reflexão.
Só se pensa em encher o estômago e beber. E o cristo? Continua lá, no altar da Igreja, tristonho, coberto com uma manta de veludo, e nem tem um Dom Camilo para conversar com ele. Tudo vontado para o dinheiro e pelo dinheiro.
* * *
Agnus Dei, qui tollit peccata mundi, miserere nobis; et dona nobis pacem.
Ano-Novo
Até no Machado, está lá, ao invés da actual expressão «ano-novo», encontra-se «ano-bom». Provavelmente alguém percebeu o engano, que ano vindouro não é necessariamente sinônimo de felicidade, embora, intimamente o esperemos. A mim não me mudo lá muita coisa, cria-me confusão no começo do ano, quando insisto aïnda em pôr nas datas, o número do ano que não volta mais.
Também não me agrada muito fazer o balanço do ano anterior (já bastam as «retrospectivas» da televisão). Sempre há coisas por esquecer que não se vão; sempre há coisas boas para lembrar que são olvidadas. Caminhadas solitárias pela estação de metrô da Vila Matilde sob alguma noite fria de junho, época que me apoiava nas paredes para andar; tragado pelo banco e lancinado pela dor da rejeição. Época que pedia todos os dias que o mundo explodisse por uma ogiva nuclear (mas a URSS não mais existe) ou qu’eu amanhecesse morto.
E procelas familiares em meio ao mar infindo da minha solidão; uma solidão acompanhada, afinal, a disse Camões.
Mas as coisas foram andando; não posso dizer que hoje elas tenham entrado nos eixos, mas certamente caminham melhor, melancólicas como a cidade sob a garoa de julho que humidece até os ossos; uma melancolia presente até o tutano dos meus ossos, não me deixa nunca - a minha natureza predominantemente lusitana; espera infinitas, esperanças murchas como flores moribundas, amores que não vingam, que nunca vingaram, resquícios do passado, aderente feito sanguessuga e irritante como a queda sobre uma touçada de urtigas.
Depois de ter vagado sem rumo por boa parte do ano, sem que nada pudesse acalmar-me ou aplacar-me o mudo desespero, parece que este fim-de-ano o barco sem rumo do meu destino aportou-se em local seguro e o tempo ameaça abrir, livrar-se das nuvens negras que tapam o céu. Não porque é fim-de-ano; não como estúpidos filmes estadunidenses de «milagres natalinos», vicendas felizes não têm data para ocorrer, podem ser até no 2 de novembro. A esperança refloresce depois de quase ter secado ao sol da normalidade.
* * *
É o qu’eu desejo a todos, que encontrem os vossos caminhos pelo futuro, qualquer que seja.

domingo, dezembro 19

Celulares e arrebóis

O ano moribundo está já a abandonar seus últimos dias. Também-eu gostaria de abandonar um saco de coisas, reminiscências e lamúrias, mas o passado me adere como a limalha no ímã. Até hoje não deixei o 1999, sou um típico animal do século XX. Ajustei-me em parte às novas tecnologias, mas aïnda continuo avesso a outras tantas, como a telefonia celular, por exemplo. E além de não gostar nem um pouco dos malditos telefonezinhos tenho espamos de riso, quando no metrô, algum palúrdio, a dizer asnidades pelo aparelho declara: «fala rápido que vai entra’ no túnel». Geralmente o tempo não é suficiente; o efeito é aïnda mais engraçado quando o titular do aparelho o pragueja e o maldiz. Uma vez, vi um homem na rua, num acesso de raiva lançar o aparelho contra a calçada. Não é necessário que se diga que o magnânimo e onipotente telefone reduziu-se a uns cacos sem a menor utilidade. Imediatamente arrependido, o egrégio cidadão levou ambas as mãos à cabeça, num gesto de visível desespero; e num desespero aïnda maior, pôs-se a sapatear histericamente sobre os restos mortais do aparelho. A essa altura, algumas senhoras que voltavam da feira já observavam horrorizadas, meu pai já havia assomado à porta de nossa avícola, o português do mercadinho também, a japonesa do bazar e o cearense da padaria também. O pobre homem de bigodes tristes sentiu-se acuado: resmungou alguma ladainha, recolheu o ex-celular e afastou-se cabisbaixo. E isso foi numa abafada manhã dum domingo estivo, em 1999.
* * *
Ano novo, vida nova? Espero também, visto que este ano vindouro, as coisas têm tudo para que dêem certo; dependerá, pela primeira vez, do meu esforço - e serei generoso em bem fazê-lo. Depende de mim e é para não só a minha felicidade, mais uma segunda parte também (assim o espero e penso); chega de escutar só lamentos e resmungos; queixumes e azedumes. Chegou a vez da minha aurora; chega das noites sem lua a tropeçar pelas pedras do caminho e dar de fuça dos muros da minha ignorância. E’ finito. Vê-se já o arrebol da manhã, tenuamente colorindo o céu, céu de puríssimo azul; os sinos começam a badalar pela cidade até então deserta, dominada pelo medo, pelo vento e pelos rolos de mato seco. A orquestra do município já saiu e está defronte à Igreja, onde as portas fecharam pela última vez e levaram consigo a luz; estão tocando a abretura de Bylina, de Kalinnikov. E vem já a aurora. Colorindo as plantações de milho e as ruas de paralelepípedos, fazendo sua luz entrar pelas mínimas frestas, dissolvendo o húmido cheiro de bolor e mofo.
E adesso, prendiam un caffè?

domingo, dezembro 12

Novos tempos, velhos costumes

Uma análise de poesia italiana: La salubrità dell’aria, de Giuseppe Parini. Mais palúrdio seria impossível: um poeta com pretenções a sanitarista. Um misto de Olavo Bilac e Osvaldo Cruz. Um quarto em eterno caos organizado; pilhas de folhas e de livros espalhadas; os livros não cabem mais na estante e agora fornicam e procriam em pilhas espalhadas pelo quarto. Sempre com o mesmo olor de ambiente fechado; a janela gradeada que dá para o imenso varco. Segundo o portal do governo ucraniano, a bandeira da Ucrânia, composta de duas faixas horizontais d’igual tamanho, amarela a inferior e azul-celeste a superior, representa os campos de trigo abundantes e o céu. Se por acaso aqui houvesse uma bandeira especial, seria azul na faixa superior também e abóbora pelas centenas de telhados justapostos.
É sempre melancólico olhar pela janela do quarto, voltada para o Oriente; o sol penetra logo cedo, pelas frestas da persiana; mesmo qu’eu não queira, o dia vem. Impávido, colossal e soberano. A mim, toca levantar, assim como é certo que o sol nascerá, é certo qu’eu levante a ir trabalhar. A minha cadeira está lá, a me esperar; igualmente almejam a minha presença os meus carimbos, os meus correntistas, meus terrores. Navegar é preciso; mas nunca andei em outro veículo que não tivesse rodas. E destas graças, nasce a minha angústia. Tropas sardas e galinhas-verdes liliputianos trafegam pelo chão do quarto; e pelo ar voa uma melancólica melodia de piano. Seria Chopin?

* * *
Os ausentes são mortos temporários. Esta última quinta, uma amiga ressurgiu do nada; ressurrexit sicut non dixit. Um telefonema e quase quatro anos de distância; certo que alternamos ausência e presenças depois qu’ela mudou de perto de casa para um outro bairro; mas nunca tinha ficado tanto tempo ausente. Sinceramente, não esperava ter mais notícias suas; há algumas semanas, encontrei Godói, um vizinho, e conhecido comum. Recoradávamos dos tempos do Ginásio e ele disparou à queima-roupa que a vira no Tatuapé, derradeira morada da qual tinha-eu notícia. Aliviei-me, afinal, ela ainda existia. A lembrança, como um tição de fogueira acendeu-se, mas rapidamente pela humidade do quotidiano arrefeceu. Mas, eis que quinta-feira à noite, quando cheguei a casa, tarde da noite, sobre a minha mesinha, um recado com a caligrafia da minha mãe. Ora, um sinal de vida, como se fosse em Berlim e tivesse vindo do outro lado do muro, um muro dos seus problemas familiares, que as vezes agem como os Vopos. Ou ela pulou o muro ou o muro caiu.
* * *
Ciao, Aïda! Ci rivediamo un giorno, chissà. Voglio veder la tua faccia da bigotta entro venti anni, quanto che la Chiesa non ti avrà chiesto... ed io t’amavo e non ho cobrato un niente dal mio amore, che non è l’amore disperso e prostituto, mosso dal denaro, dai quattrini dentro la cassa dell’elemosina: per Sant’Antonio, per le anime, per la Madonna, Santa Vergine! La tua Chiesa, il tuo panteone di santi e sante, le tue ostie, il tuo vino - o forse sumo di uve? La tua condanna alle bibite alcooliche, inutile e bigotta resistenza. Adesso, non mi resta che piangere un po’; per accidente, m’hai lasciato un’indelebile marca sul cuor e ci sarà ancora un po’ di tempo da che se ne vada.
Non ti resta che smuoversi nervosa sulla tua sedia, forse stia nervosa. Io, di su, quassù, sulla nuova nave che mi porterà non so dove, ti lascio sulla spiaggia del vecchio continente che ho costruito per noi; adesso a me, tocca andare. La sventolante bandiera della nave è nera, perché non appartiene a patria nessuna; è nera come sono i tuoi capelli quand’eran lunghi. Ho pianto di più per te, ma le mie lacrime non sono infinite, ci son nuovi orizzonti da varcare, io sulla nave.
Fermiamoci; adesso, mi tocca andare.
Ciao, Aïda.

domingo, dezembro 5

O fórceps de Cabral

Desde a sexta-feira dos três acontecimentos estapafúrdios (declarada a partir de hoje como o Dia do Dramin, feriado nacional na Venardia), fiquei curioso sobre o dito Congresso Integralista. Narrei o ocorrido aos Membros da Academia do Leucotávolo e no dia seguinte, Orlando apareceu com algumas informações impressas, o local da reunião, num convite dirigido abertamente à população e algumas informações complementares sobre o Integralismo, a versão tupiniquim do Feixismo europeu, embora os galinhas-verdes (como eram conhecidos os Integralistas, devido às suas camisas verdes) o neguem veementemente.
De posse daquelas provas documentais, Orlando sugeriu uma visita ao Congresso no sábado à tarde (visto que era um Congresso de dois dias, sábado e domingo). Sozinho eu não iria de jeito nenhum, mas na companhia do egrégio Orlando, não titubeei: sim! vamos ver o que se passa. Fora o meu ofendido senso de comunista-cordial-apartidário.
Sábado à tarde, depois de curta viagem de metrô e algumas passadas incertas, pois esquecêramos o número, chegamos a um galpão com forte cheiro de tinta, acusando a pintura recente, era aquele lugar que o cartaz nomeava Anfiteatro da Und (União Nacionalista Democrática; ou pela versão depois apresentada por Orlando, a União dos Neófitos Doidivanos; ou ainda Uberaba é a Nossa Dinamarca), que não passava dum galpão de alguma industriazeca da década de 50 ou 60 ou de mecânica, ou ainda retífica de motores. Logo no ingresso, fomos interpelados por um jovem moreno, de camisa verde-quase-integralista: indagou-nos se pertencíamos a alguma organização. «Não, somos representante da cidadania comum, atraídos pelos cartazes postos por aí.». Depois de recepcionarnos, discorreu imensamente sobre a posição política sua, mostrando que havia, dentro daquela quarentena de pessoas, um racha ideológico. O memos rapaz disse-nos que o corporativismo (uma das forças motoras do Integralismo) não tinha mais lugar nas conjunturas actuais; e que a formação de um partido integralista estava fora de questão. Algo que me tranqüilizou, sou sincero a dizer. Saído o rapaz, aguardamos o início da reunião, cujos membros directores sentar-se-iam numa bela mesa de madeira esculpida, sobre a qual, uma bandeira azul com o sigma num círculo branco.
Começado o debate, na mesa havia alguns integralistas da velha guarda, um inclusive com camisa verde do tom fiel àquele da dos integralista e - detalhe - o bigode aparado à Plínio Salgado; ou, para quem preferir, à Adolf Hitler. Acima, um óculos de aro grosso de acrílico. Conversa vai, conversa vem, a sessão descorreu como prosseguem as assembléias dos estudantes da Letras; cada um tinha determinado período para falar. Chamaram um membro da Und, e sua figura rubicunda assomou ao microfone. Embora tenha se apontado como «profissional de comunicação», comia verbos e invertia períodos de modo que ficavam incompreensíveis, fora o tom de voz histérico e a mão do microfone que tremia a grandes chacoalhões. O ponto alto, foi quanto começou a recitar um poema que tinha como um dos versos o título deste testo, «o fórceps» de Cabral, que depois descobri que se tratava dum poema psicografado pelo Chico Xavier e atribuído a Castro Alves. Estranho que uma doutrina de fundo católico faça uso de poemas psicografados. Falava e movia o corpo como se estivesse valsando; um passinho pra fentre, outro pra trás. Chamou os comunistas de «verde-amarelos por fora e vermelhos por dentro». Sou então uma melancia?
O mocinho que nos recepcionara aludira à ausência de anti-semitismo na doutrina, porém, o papel que nos foi passado, um texto de um dos «inteligentes» do movimento, terminava com a expressão «judiaria internacional».
Depois do gorducho da Und, veio um carioca do MV-Brasil (Movimento de Valorização do Brasil) que dos píncaros dum nacionalismo virulento e absurdo bradou contra uma garrafa de Coca-Cola que existira no recinto pela manhã e agradecera sua troca por uma de guaraná Antárctica. Quando falava berrando, erguia a mão e ficava na ponta dos pés. Tinha um terrível ar de clásse-média, dado pela pochete à cintura e um par de mocassins. Batia no peito, ameaçador e laudava a Bandeira.
O único mais sério, parecia o «presidente» da mesa, um integralista de Campinas, cabelo aparado à máquina, camisa verde com o Sigma bordado no braço; que chamou-os um pouco para a realidade. Cansamo-nos e fomos embora.
Cansamos do campineiro que parecia o Francisco Milani, de boina e com um pingente do Sigma; cansamo-nos dum bocó de camisa preta e com um cinto como aqueles de peão-de-boiadeiro, só que na fivela, ao invés dos tradicionais motivos eqüestres, havia um sigma e um mapa do Brasil. Cansamo-nos das bandeiras nacional e integralista presas na parede com fita adesiva, que às vezes soltava-se e algum membro da mesa corria a pregar novamente.
De birra, à saída, fomos a uma padaria tomar Coca-Cola; e como éramos os únicos estranhos ali, já que todos aparentemente tinham alguma espécie de vínculo, à nossa saída talvez tenham-se estapeado; mantinham a linha pois havia dois estranhos na assistência. Eram loucos, mas misturados por entre a gente, passavam até por pessoas civis e simpáticas...
Decepcionante, mas eu, como melancia, senti-me tranqüilizado: a pretensa extrema-direita não passa da reunião de uma incompleta quarentena de loucos e velhos passadistas. Fico com a minha Coca-Cola; mas chegando na minha estação de destino, fui a pé para casa, cantando o hino da URSS, para ver se me desintoxicava.