quinta-feira, março 31

Eça revisitado

Nosso querido Eça de Queiroz está passado por graves provações; depois de um tropeção no Rossio, acabou por cair dentro duma passagem espaço-temporal aberta por uma determinada conjunção planetária, justo naquele momento e naquele lugar! Da Lisboa do último quartel do século XIX, acabou por vir parar na São Paulo do século XXI; mesmo sem os seus manuscritos, deu um jeito – ainda não se sabe como – de reescrevê-los para apresentá-los a um editor; acabou sendo recusado em diversas casas editoriais, acusado de louco e plagiador. Foi parar numa Editora num bairro periférico, deixou o manuscrito para análise e disse que voltava depois de alguns dias. A editora que funcionava junto da casa do editor; este recebeu Eça na sala de estar-escritório.
— Vamos, senta aí. Quer um café?
— Não, obrigado. E então, o que o senhor achou do meu manuscrito?
— Bem, veja bem, eu vou estar topicalizando o problema para que o Senhor possa estar entendendo; para depois serem efetualizadas as correções, certo.
— …hum… tudo bem. – respondeu Eça perplexo.
— Primeiro, umas considerações gerais; fiz uma pesquisa e descobri que há um autor de romances melados com o mesmo nome do senhor; é português igual ao senhor…
— Não me diga! – espantou-se Eça.
— Pois é, o senhor conhece? Talvez seja parente do senhor…
— Não, nunca o vi alhures.
— Hã… oquei; então, pra que a gente possa estar publicado o livro, o senhor vai adotar um apelido, um nome diferente que não seja o do senhor, já que tem outro Eça…
— O senhor diz de eu adoptar um pseudônimo?
— Isso, algo paradigmatizado nessa linha… que tal Washington Bloodfinger, ou Wesley Swappes?
— Hum… - respondeu Eça aparentemente impressionado.
— Bem, isso a gente pode ver depois; vamos aos outros problemas: é muito grande.
Alguns instantes de silêncio.
— O que é muito grande? – perguntou Eça.
— Como o quê? – estralou o editor – o livro! A gente, afinal, está falando do que? Do livro!
— Perdão; eu não entendi por que não havia sujeito.
— Como não há sujeito? E o Padre da história?
— …
— Bem, é muito grande. A gente vai ter que reduzir, porque a nossa Editora só trabalha com pockets, por isso que a gente é a Pocket Rocket Editora’s!
— Certíssimo… eu somente não compreendo esse Genitive case na palavra «editora».
— Está na moda. Outra coisa que está obstaculizando o trabalho é alguns pontos da história; por exemplo; essa coisa de Portugal no século XIX, isso não vende, foi o tempo. Já era. E a gente quer vender, oquei? – e coçou-se ruidosamente por cima da camisa estampada floridíssima.
— …
— Então, a gente põe a história no Rio, numa favela, um padre numa igreja de favela. A Amélia não pode tocar piano; diversão de mina de favela é ir ao baile funk
— Fânque? Eu não saberia o que é.
— Aquela música; teve muito aqui em São Paulo uma época, mas o forte é lá no Rio. O senhor parece que não vê televisão! Então, a Amélia, no máximo vai cantar no karaoquê, isso, eles terão um karaoquê. Karaoquê o senhor sabe o que é, não? – perguntou o Editor ironicamente.
— Hum… parece-me algo levemente chinês…
O editor deixou o cigarro cair da boca, para dentro do copo de pinga.
— Bem, tudo bem, depois eu te explico pro senhor. Mas voltando pro livro, a Amélia está muito velha pra situação em que o senhor está pondo ela.
— Mas como? É uma rapariga à flor da idade.
— Só que no Brasil, seu Eça, as minas vão ser raparigas muito mais cedo. Seria bom se ela tivesse uns… 8 para 9 anos…
— Mas como?! Uma criança!
— Por isso mesmo! Vê só, é um padre morrendo de tesão por uma criança; um padre pedófilo. Se a gente fizer essas mudanças, vai vender uma puta montanha de livro! Não vê, seu Eça. A gente vai estar ganhando um puta monte de bufunfa! E é isso que a gente quer, ou não?
— É… sim… talvez um pouco, mas…
Levantam-se os dois e começam a caminhar para a porta. Eça na frente seguido pelo editor.
— Se o senhor adequalizar essa história como eu te disse, venderemos muito, mas muito mesmo… corrige tudo e me traz a semana que vem pra mim ver como é que ficou. Ah, mais uma coisa, trata de mudar essa palavrada que ninguém entende; tipo chantre e outras iguais; e o título, ao invés de O Crime do Padre Amaro, é melhor que seja Amaro e Amélia na Favela… muito mais sonoro, fora que eu estou querendo estar lançando uma coleçãozinha tipo Júlia, Sabrina; que vai se chamar Pâmela, e o primeirão será o seu. – E espalmou a mão sobre a espalda de Eça, fazendo o monóculo saltar-lhe do rosto.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

HAUHAUAHUAHAUAHAUAH
ADOREI!!
Ai, vc não sabe o q é ter aula de IEL no 4º ano... uó...

quinta-feira, março 31, 2005 2:14:00 da tarde  

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