sábado, março 26

Sábado de Aleluia

(música incidental: a marcha de La Damnation de Faust, de H. Berlioz)

É um sábado à noite; depois do dia ter sido o inferno na Terra de tão morto - com direito a sesta de duas horas - a vida doméstica delinea-se no debater eterno de assuntos estúpidos: crises por botijões de gás (afinal, cadê a droga da tubulação? estou à porta esperando), por frisos de portas não colocados, da grama que está a crescer livremente. Será que os meus não pensam em si e só na casa, como está a casa, o que precisa fazer, o que não precisa fazer? É triste não ter parada; tudo isso me enfastia assaz. Não há um lugar onde eu possa dizer-me: «ótimo, agora eu vou ficar aqui umas quatro horas, escrevendo ou estudando». Eu sou um bem público; fui socializado, fizeram a reforma agrária dos meus tecidos. E a calha a varrer, pequenos consertos domésticos. Mas eu me vingo: afinal, eu sei cantar várias árias de óperas diversas. Varrendo a calha, canto Celeste Aïda, trocando torneira Addio, fiorito asil, cortando grama a cavatina do Fígaro («tutti mi chiedono, tutti mi vogliono, donne, ragazze, vecchie, fanciulle, qua la parruca, presto la barba, qua la sanguigna, presto il biglietto... Figaro! Figaro!). E quando a vizinha começa a gritar histericamente com o seu filho: Victor! Desce já daí! Victor, sai daí, larga isso!; eu me vingo gritando de volta: Átila, larga isso, Átila, já disse pra não entrar de cavalo na cozinha!

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