quinta-feira, abril 28

Um excomungado em trânsito

(extraído e adaptado de«I diari di Beppe»)

Acordei com um tremendo mau-humor e um absoluto desprezo por tudo e por todos. Se Deus aparecesse na minha frente, o mandava às favas. E mesmo dessa maneira, minha consciência loquaz mandava-me ir a trabalhar; já é um martírio pegar ônibus e metrô pela manhã, hoje o foi em dobro. A cada estação, a voz guinchada e estridente do condutor enfastiava-me, comecei a rugir insultos, por dentre os dentes. E a escumalha que corre em direção aos vagões, pelas estações! Passou perto de mim, na estação de baldeação, uma moça correndo de salto alto; se dependesse de mim, tinha tropeçado e rolado escada rolante a baixo, ou que um dos saltos quebrasse; chamei-a de idiota.

Descido na estação, passei rente a uma fila de ônibus, totalmente descompassada (os estúpidos nem mais fila sabem fazer!); da fila, evidenciava-se uma senhora, inclinada para a lateral, para fora da fila, que falava extremamente alto num telefone público, ostentando mando, provavelmente falava com a empregada. Fui chegando, rente à fila, mais próximo dela, rugi um «estúpida» e mais perto, passei junto da orelha livre e fiz com os lábios um sonoro «brrrrrrrl!», sem parar de andar. As pessoas em volta nem perceberam (porque as pessoas vivem distraídas com coisas idiotas) e a mulher pôs-se a ofender-me aos gritos. Nem me virei.

Cheguei no escritório, depositei o casaco nas costas da cadeira e pus o cachecol em cima do apoio da máquina de escrever. Sentei-me e comecei a trabalhar, o mesmo trabalheco estúpido de sempre, carimbinhos, assinaturazinhas, e bobeirinhas consuetas e congêneres. E de-repente, eis que surge a mocinha da ginástica laboral. E pessoalmente, ponho-me contra qualquer actividade que se proponha a trazer benefícios que teoricamente eu deveria ter, como bem-estar e relacionamento com os colegas, per scherzo, chamo a ginástica laboratorial, ao invés de laboral. Geralmente, levanto-me e faço com a maior má-vontade e de cara fechada; hoje nem me levantei, continuei virado para o computador.

— Você não vai fazer a ginástica hoje? – perguntou-me solícito a moçoila.

— Me diz uma coisa. – disse virando-me num golpe – é verdade que esse treco de ginástica laboral foi os japoneses que inventaram? Que foi nas empresas japonesas na década de 20 e que no começo era tipo tai-chi-chuan?

— É… - ficou perplexa – é mais ou menos isso…

— Pois é… você lá leu algo sobre filosofia oriental? – foi uma pergunta retórica.

— Não…

— Pois é, é uma coisa extremamente vazia… e eu como bom ocidental, com quase 3000 anos de cultura nas costas, é-me impossível fazer ginástica laboral ou qualquer outro nome que se lhe dê, por princípios civilizatórios.

Virei-me bruscamente para a máquina.

— Ah… ha, ha. Não tem problema então… - foi silabando a moça – fica aí… não precisa fazer… he, he… quem sabe na próxima vez, né.

Virei a cabeça e olhei feio para ela.

* * *

À noite, antes da aula, fui tomar uma café; mas como vivo sem um centavo no bolso, geralmente aproveito as idas de Baccicia até o café dos funcionários, ele pode, porque é funcionário da biblioteca central, eu vou na sua sombra. E justo hoje não encontrei Baccicia antes da aula, nem Totò, do departamento de Dialetologia. Arrisquei e entrei sozinho, apropriei-me de um copo de plástico e quando cheguei junto da garrafa, uma voz feminina esganiçada inquiriu-me quase histericamente:

— O senhor! O senhor é funcionário da Faculdade? – encarou-me – é professor?!

Eu nem tenho onde cair morto; estudo somente. Tive de pensar numa saída criativa.

— Sim? Como? Perdão…? – fingi de desentendido.

— O senhor é vinculado à Faculdade? – mediu-me de cima a baixo. – Às vezes eu o vejo a andar pelos corredores; e já vieste cá co Giambattista.

Ninguém quase chamava Baccicia pelo nome de batismo. Ela estava se agarrando em precárias referências.

— Sim, eu sou amigo do Baccicia… - procurei demonstrar familiaridade.

— Mas isso não lhe dá direito de tomar o café daqui. Se quiser café, há lá na cafeteria, a vinte liras a xícara…! O senhor por acaso acha que é professor?!

A essa altura a mulher já gritava e brandia as mãos. Por sorte não havia ninguém no café dos funcionários. Continuei com o mesmo ar imperturbável.

— Mas… eu sou professor… peço desculpas se…

— Deus! – interrompeu-me já roxa – o senhor é professor? Mil desculpas! Sabe, às vezes não consigo distinguir… a cabeça vai ficando fraca, a idade… - o tom da voz foi baixando progressivamente, quase em escala exponencial, ao final do período quase não mais se ouvia.

Fingi uma imensa bonomia.

— Ora, não se preocupe… tem leite?

Fez uma careta de «nossa! como sou estúpida» e foi para trás do balcão. Voltou com uma jarra de leite, e vinha tão branca como o conteúdo da jarra. Tentou ainda um último remendo, imaginando qu’eu estivesse ofendido.

— He, he… o leite, né? Ha, ha… o café… he, he… - alguns instantes – mas, o senhor, professor, dá aula de que?

Suspirei e disse gravemente, espalmando a mão como quem espalha sementes.

— Leciono duas disciplinas: Introdução de técnicas mediúnicas no xadrez moderno e Interação diatópica entre Lingüística e Colostomia.

— Ah! - fez estupefacta a moça do café.

terça-feira, abril 26

Diários litorâneos (I)

Acompanhado de comitiva, o Sinistro-conato Príncipe desceu-se ao litoral sul, em giro por Itanhaém, Mongaguá e Peruíbe; andou por belas paragens, ò contrário do que se costuma afirmar quando se trata do litoral sul, tão desprezado injustamente.
Essa vilegiatura justamente assemelhou-se a um trekking rochoso, por de-sobre pedras e mais pedras. A certa altura, o Príncipe esgueirou-se para descer a uma pedra mais baixa, a qual a água, em intervalos regulares cobria-a levemente, avisou a Condessa della Verdemacchina para que registrasse o momento num daguerreótipo.
Pondo as solas da sandália na pedra, o Príncipe percebeu que a mesma estava coberta de cracas; deslizou a mão por de-sobre elas. Ereto novamente, fez uma pose heróica condigna da situação, quando de-improviso, uma onda maior do que as vistas até então, empurrou o S. A. R. o Príncipe pelas canelas, obrigando-o a uma desonrosa (mas não definitiva) posição genuflexa cas mãos apoiadas também na superfície da pedra. Fez uma vênia educadíssima ao mar, em venardo:
Se’m fà un otre de chèste… or! Non pas de un vitre d’olives!
Nada demais, ida a água, levantou-se soberbo; mas nesse exacto momento, outra onda, ligeiramente maior (coisa duns 50 centímetros maior) fez com que o Príncipe caísse novamente, sendo arrastado (uns dois metros) pela pedra plana, mas recoberta de cracas. O Príncipe não se conteve e explodiu em alegria:
Che bà! Stu mà des fills de püt! Maledit, excomunicat d’une foig!
Além do tombo, uma das sandálias do Príncipe foi levada pelas águas revoltas. Subiu novamente às pedras desolado, quando do alto, viu sua sandália indo para uma praia próxima. Imediatamente começou a descer e tombou na água com um baque surdo (afinal, é notória a desengonçadura de S. A. R.) e tentava de debater-se na direcção do chinelo; porém, a corrente inferior o levava para o mar e a superior empurrava a sandália para a praia.
— Excomunicat! T’em veng pe’ cà! Vitre d’olives! Vitre d’olives!
Depois de quase cinco minutos de furibunda luta com o mar, dezenas de imprecações com a sandália, raladuras de todas as qualidades, uma família amedrontada e atônita à beira-mar pela iracúndia real e a Condessa quase engasgada de tanto rir, finalmente o Príncipe reaviu sua sandália.
Saldo: um polegar ralado pelas cracas; igualmente ralado a lateral do calcanhar direito. Fora as mutilações nas mãos por abrir ostras e pelo mau manejo de um alicate, o que fica para próximos relatos.
E referendado pela Condessa, as cracas devem ser comunistas.

Nota: S. A. R. fez todas essas peripécias, gestas e feitos com seus óculos acavalados sobre o nariz, como de costume.

segunda-feira, abril 25

«Grândola, vila morena...»

A data de hoje simplesmente não pode passar em branco. Afinal, há 31 anos, a Revolução dos Cravos foi victoriosa em Portugal. Qual português, por mais estúpido que seja, pode esquecer a música senha e símbolo da Revolução, Grândola, vila morena? Talvez nenhum, talvez todos.

Grândola, vila morena
(Zeca Afonso)

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

domingo, abril 24

Horrores!

Berlusconi bis não!!!

quarta-feira, abril 20

De última hora: BERLUSCONI FORA!

Um a menos! Mais detalhes.

Aïnda em tempo

Talvez, nesses salões e corredores por onde circulo, seja o único lugar onde o homem que serve café, de gravata boroboleta, comente Os doze Césares de Suetônio no balcão da recepção. Evidentemente que os do balcão não entenderam muito, mas eu, do caixa electrônico, quase tive uma crise de labirintite de estupefacção.

Comunicado

Desp. da R. Casa 587/05

À Bloguedifusão Geral Venarda,

para que se faça publicar.

«Entre amanhã (21/04) até domingo, S. A. R., o Príncipe De Venardis estará fora de seus domínios pessoais, em vistas do XXV Congresso de Numismatas e Coturnicultores do Mar Jônico. Em vistas do conclave para a escolha do novo presidente da Associação de Numismatas e Coturnicultores do Mar Jônico, S. A. R. estará incomunicável durante todo o período da viagem. Também aproveita o presente despacho para nomear Regente Interino para o período S. Excia. o Sr. Marco António Ahmed Bustamarte Velazques De Crescenzo Al-Issa, Marquês do Baluquestão, o qual vós não conheceis porque acabei de inventar o nome, mas vos garanto que é pessoa de extrema confiança, visto que provém da minha mente doentia.
Faço informar aïnda que os autos das sessões serão enviadas ao Ufficio Stampa Nazionale e posteriormente armazenadas na Biblioteca Nacional.

Notas adicionais

Por economia, uso o presente despacho para declarar criada o 17.º Regimento de Fundibulários e Gaiteiros do Principado; vinculado à Armada Real.
Giovanna, não esqueça de alimentar os peixes; Ilda, mantenha minha poltrona verde sem pó, e aproveitando a minha ausência, mande dedetizá-la, está cheia de cupins; o que tiver em cima da minha escrivaninha, pode deitar ao fogo. Se precisarem de algum dinheiro, deixei 70 reais debaixo da toalhinha da bandeja do bule, em cima da geladeira.
Marco Aurélio, se me liga o Príncipe Charles perguntando aïnda o porquê de eu não ter ido ao casamento dele, ligue para a Telefónica e mande trocar o número.

Sem mais.

Cordialmente,
el-Príncipe

terça-feira, abril 19

Copa Vaticana

Cardeal Medina - Fratelli e sorelle carissimi. Queridissimos hermanos y hermanas. Bien chers frères e soers. Lieben Brüdern und Sistern. Dears Brothers and sisters. (...) Annuntio vobis gaudium magnum (...) ; habemus papam: Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum, Dominum Josephum (hesitação da assistência: Giuseppe?) Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem Ratzinger. Qui sibi nomen impossuit Benedicti XVI.

(o mais engraçado foi a narração da tevevisão italiana; o narrador, depois de «Ratzinger» gritou como se houvessem marcado um gol num jogo de futebol, Cardinale Ratzinger! Il Cardinale Ratzinger è il nuovo papa!)

Deus e o Opus Dei salvem o novo papa Bento XVI.

Acervo de áudio e vídeo pelo Corriere della Sera.

Omnes extra

(dois diálogos e um dístico assaz vagabundo)

Primeiro diálogo

Moça dos olhos castanhos — Você viu que hoje a o conclave não deu em nada?
Moço dos olhos azuis — Vi sim. Fumaça preta. Fumo nero e um monte de gente desiludida na Praça de São Pedro. Beh, são cinco dias de conclave… há tempo o suficiente.
Moça dos olhos castanhos — É verdade… (exaltada) mas você viu que chaminé horrorosa!
Moço dos olhos azuis — Ha, ha! É mesmo!
Moça dos olhos castanhos — Imaginei uma chaminé solene, esculpida, talvez até feita por Borromini! Ao contrário! Uma chaminé comum e horrorosa de lata!
Moço dos olhos azuis — Parece até aquelas chaminés de padaria do subúrbio.

Segundo diálogo

Mãe — Viste? Nada de Papa hoje…
Filho — (ca boca cheia) Hum-hum.
Mãe — Tua vó me volta de cinqu’em cinco minutos p’a pergunta’ a quantas andava a eleição do Papa, até que me irritei e perguntei-lhe se não tinha ela televisão em casa.
Filho — (aïnda ca boca cheia) Hú-hum.
Mãe — Fumo preto… quanto será que os cardeais vão a demora’ pra escolher o novo Papa?
Filho — (ca boca semi-obstruída de comida) Ha, ha! E ‘cê inda acredita nisso? Devem ter escolhido o Dom Cláudio Hummes estám a fazer churrasco!

Dístico vagabundo

Missa em latim, na lata,
Dom Ratzinger pra Papa!

Inflorescências do sono profundo

Não me assusta nem um pouco se o celular de um pascáscio, rijo no ponto de ônibus, começasse a solfejar horrivelmente a Internacional; mas me assustaria sim, passar por de baixo de alguma árvore e perceber que algum pássaro estivesse a gorjeá-la.

segunda-feira, abril 18

Toma, Berlusconi!

Lavada histórica. Volta a Itália para a centro-esquerda. Gabinete Berlusconi no extertor.

Anedotas de escritório

Hoje, logo cedo, veio à nossa célula João. Não sei bem o que ele faz, parece que é algo relacionado à segurança do nosso Palácio Vaticano, mas volta-e-meia ele aparece por essas paragens para pôr a conversa em dia.
Veio como sempre, figura bonachona e pachorrenta, pelo corredor do nosso escritório, o da Congregação para a Propagação da Fé. Encostou-se à divisória e pôs-se a falar, e narrou-nos curiosa história, que procurarei repetir o mais fielmente possível.
«Ontem, vi que tinha um short meu rasgado, bem nos fundilhos. Até aí tudo bem, shorts, assim como todo tipo de roupa está sujeito a rasgar-se; pois bem, percebi que o short se havia rasgado. Cheguei prà minha mãe e pedi-lhe se ela pod’ria remenda’-mo; ela mui solícita disse que sim. Fui ocupa’-me de outras miudezas, visto que logo depois, dev’ria ir até o Lungotevere busca’ minha filhota. “Cá ‘tá o short!”. Agrade e coloquei-o. Ao sair, paramentado com o short, tentei pôr a carteira de trás. Não conseguia! Tentei de pôr a chave no bolso da frente. Nada. Vi então que a minha mãe, além de ter costurado-me o rasgo nos fundilhos, costurou também a abertura dos dois bolsos da frente e do de trás. Nem disse nada…».

Agradecimentos

Adgradeço a S. Excia., o Duque d'Artur Alvim pela gentileza da dédica do seu texto. Mille grazie.

domingo, abril 17

Faber est suae quisque fortunae

Pelo consueto tédio dominical, folheava eu o dicionário de italiano, o Zingarelli; girando as folhas a esmo, caí justo sobre as locuções latinas mais usadas em italiano e minha vista atraída para essa frase: faber est suae quisque fortunae, frase atribuída a Ápio Cláudio Cieco do Pseudo-Sallustio, Epistula ad Caesarem senem de re publica I, 1, 2, que significa: cada um é o artífice do próprio destino.
Agora vem a minha inquïetação: será mesmo? Mesmo sendo eu ateu de carteirinha, parece que o maldito do Acaso é sim regido por uma força estranha, mas não por aquela que caracterizaria o deus dos Cristãos, mas sim uma divindade assaz desgraçada que se diverte à custa dos idiotas sobre a terra. Talvez o pior não seja ser um idiota medíocre, viver feito mal feito gado, sentir-se jogado feito um trapo, mas sim ter plena consciência disso e ruminar o fato sentado na cama, às 11 horas da manhã dum domingo.
Por isso que me são muito mais verossímeis os deuses vendicativos dos romanos, dos gregos e outras civilizações originariamente politeístas. Quando será que se tomará consciência que assim não mais se pode estar? A imbecilidade alheia me dá asco, tenho gana de vomitar; ao metrô, aquela grei desperada, um tentando passar por cima do outro, numa pressa absolutamente inútil. Quando é que as pessoas vão se dar conta de que isso, de chefes obtusos, de almoços-de-quinze-minutos (òs meus amigos bancários, pobrezitos!), de cidades-dormitórios, dessa vida urbana que cada vez mais vai se tornando insuportável.
Devo admitir que nesse domingo, a minha tolerância baixou a zero, depois de oito anos de vida de gado.
E são coisas que, infelizmente, um só não muda. Essa coisa de que cada um faz o seu destino é idéia do pessoal do Marketing (argh!) e de outras pós-modernidades insulsas e ilusórias. Cairão estados, arruinar-se-ão potências, homens morrerão sob o porrete do Fundamentalismo; nada pode ir contra a Estupidez colectiva.

Dominicália

Discos do Beniamino Gigli com chiado (mesmo que sejam cds), sol abafado, e todas as coisas recendem a molho, ’cchiù bell’ oje nè! A melancolia tépida do dia do Senhor, o sino da igreja. Bem-vindo ao reino dos Domingos eternos.

sexta-feira, abril 15

A balada de Miché

or. La ballata del Miché
(F. De André; péssima tradução merídia do autor deste blogue)

Quando então abriram a cela
era já tarde porque,
com uma corda ao pescoço
frio pendia Miché.

Todas as vezes que um galo
eu ouvir cantar, pensarei
naquela noite, à prisão,
quando Miché se enforcou.

Esta noite Miché, pendurou-se num prego porque
Não podia ficar vinte anos na cela longe de você.
Eu sei que Miché quis morrer para que
te ficasse a lembrança do bem profundo que tinha por você.
Se também Miché não te escreveu explicando o por quê
e se foi do mundo, saiba qu’ele o fez somente por você.

Vinte anos lhe haviam dado
a corte decidiu assim
porque um dia havia matado
quem queria roubar-lhe Marì.

O haviam por tal condenado
vinte anos na prisão a apodrecer
justo agora que ele enfocou-se
a porta devem-lhe abrir.

No escuro Miché se foi sabendo que pra você
Não podia nunca dizer que havia matado porque amava você.
Amanhã justo às três, lá na fossa comum cairá
sem o padre e a missa porque de suicida não têm piedade.
Amanhã Miché, lá na terra molhada estará
e alguém uma cruz com o nome e a data sobre ele fincará.

quinta-feira, abril 14

Fastídio e maldades variegadas

Uma das características do meu eterno estado de enfado é a de criar histórias absolutamente absurdas e disseminá-las. Nem como fato vero, nem como mentiras; o critério estabelece-o quem escutar. Aplico as anedotas geralmente para perguntas repetitivas e óbvias. Um exemplo prático: a minha egrégia genitora sempre está acordada quando chego à casa, devido à sua consueta insônia, bombardeia-me com informações absolutamente dispensáveis como consertos de caixas de inspeção, correspondência publicitária totalmente descartáveis e mais outros tantos detalhes da vida doméstica e sarilhos com a sua genitora, minha avó. E as perguntas de todo dia, a mas típica: o que você almoçou hoje?
Primeiro, eu respondia sem problema algum, porém vinham sempre as restrições: «você não deveria comer tal coisa, porque tal coisa faz mal» etc., etc. e tal ou «deve comer mais disso e daqueloutro» e uma coisa da qual não abro mão quando estou fora de casa, é a minha autonomia gastronômica.
Cansado das sugestões dadas com voz impositiva, simulo até hoje uma amnésia selectiva gastronômica; simplesmente digo que não lembro.
— Como você não lembra o que come?!
— Eh, assinh’é.
— Mas num lembra nada; arroz, feijão…?
— Non; nada.
Porém, como mamá não desistia do seu intuito de arrancar-me as informações nutricionais do meu almoço, comecei a bancar o louco desde ontem no jantar.
— Que comeste ò almoço?
— Hum… vejamos… hoje parece lembra’-me…
Seus olhos rebrilharam por alguns instantes.
— Entonce, diga lá!
— Si! Lembra-me! Almocei dois sapos e uma salada de folhas de palma.
Mamãe retorceu o rosto numa careta de incredulidade.
— Que?
— Ou seria um estrogonofe de ornitorrinco e salada de talo de bambu?
— Vai sandeu, menino?!
Comecei a cantar.
Se quel guerrier io fossi! Se il sogno se averasse!
— Quïeto! Teu pai está a dormir!
Un esercito di prodi, da me guidato…
— Cal’a boca!
…e la vittoria…
— ‘Tá, ‘tá! Você ganhou! Com você não dá pra fala’; onde já se viu! Não se pode pergunta’ nada!
Esse procedimento não é somente sadismo puro – agora me justifico – mas se trata de defesa, comportamento de retranca. Caso típico, com a minha avó, dignatária de meio-quintal nosso.
— Oi, vó. Buenas?
— Oi, o netinho da vó.
Alguns minutos em silêncio.
— Viste ò jornal ontem?
— Não, vó. Arrivo mui tarde.
— Entoces escoita: ontem, no Datena…
Vêm em pencas relatos escabrosos de todo tipo.
— Tuvo um neno que… um assalto à man armada! Durmas co essa, se puderes! E aqueloutro caso do…
Quinze, vinte minutos. Enfastio-me completamente.
— Hum… tudo isso, é? Bem, mas o pior eles nunca falam… - e vou virando as costas e em passos lentos vou em direcção à máquina de lavar. Sinto a sua curiosidade a pairar pesada pelo ar.
— Que ocorreu? Vem cá und’a mim e mo conta…
— Entonces, vó! Imagina que ontem, a San Miguel, um meliante assalto’ uma confeitaria – afinal, onde há confeitarias em São Miguel? – e saiu a correr da loja com o dinheiro nos bolsos e uma torta nos braços…
— Mas é?!
— Digo-lhe ainda mais! Ele não viu que havia um helicóptero da Policia a pairar de-sobre às casas e lá de-sobre das casas atirou pra baixo.
— Virxe Maria!
— Pois é. Acabou o gajo caído ca cara por de-sobre a torta; morto. E sangue dele de-sobre o passeio parecia groselha Milani…
— Mas que horror! Mas não passou na televisão!
Viro-me de improviso e faço um grande gesto com as mãos abertas.
— Ah, vó! – afetei a voz com autoridade –Tem certas coisas que eles não dizem para não assustar as gentes…

* * *

Tenho plena certeza que não serei condenado pela Convenção de Genebra.

quarta-feira, abril 13

Eça, sempre Eça

«Gustavo, plantando-se diante do contador, de chapéu para a nuca, apressou-se a soltar o gracejo, que tanto o entusiasmara em Lisboa:
— Tio Osório, sirva-nos fígado de rei com rim grelhado de padre!»
(O crime do Padre Amaro, cap. XIV)

terça-feira, abril 12

«Vagabundear»

(do álbum Mediterráneo, letra e música de J. M. Serrat)

Harto ya de estar harto, ya me cansé
de preguntarle al mundo por qué y por qué.
La Rosa de los Vientos me ha de ayudar
y desde ahora vais a verme vagabundear,
entre el cielo y el mar.
Vagabundear.

Como un cometa de caña y de papel,
me iré tras una nube, pa' serle fiel
a los montes, los ríos, el sol y el mar.
A ellos que me enseñaron el verbo amar.
Soy palomo torcaz,
dejadme en paz.

No me siento extranjero en ningún lugar,
donde haya lumbre y vino tengo mi hogar.
Y para no olvidarme de lo que fui
mi patria y mi guitarra las llevo en mí,
Una es fuerte y es fiel,
la otra un papel.

No llores porque no me voy a quedar,
me diste todo lo que tú sabes dar.
La sombra que en la tarde da una pared
y el vino que me ayuda a olvidar mi sed.
Que más puede ofrecer
una mujer...

Es hermoso partir sin decir adiós,
serena la mirada, firme la voz.
Si de veras me buscas, me encontrarás,
es muy largo el camino para mirar atrás.
Qué más da, qué más da,
aquí o allá...

(negritos nossos)

segunda-feira, abril 11

Dos ovos e da religião

Almoço de domingo, o medonho risoto recendia àquilo que realmente é, uma bela miscelânea indigesta. Fazer o que? Era o que tinha e eu não iria sair para comer às 3 horas da tarde de domingo. Como de costume, apesar de não ter aberto a boca, a minha expressividade facial (como diria a Profa. Giliola) denunciou-me.
— Não precisa se preocupar… não tem ovo. – alertou a minha solícita genitora.
Uma das minhas ancestrais ojerizas. Detesto ovo, ainda mais se for cozido, formato mais adequado para um risoto.
— Não sei porque você não gosto de ovo – retrucou meu pai – ovo vai em tudo.
Pronto; estava armado o circo, a velha catilinária a favor dos ovos. O ovo que vai na massa do macarrão, que vai no bolo, que vai no diabo a quatro! Ovo, para mim, é uma das coisas mais repugnantes que existem; e até o meu Ginásio considerava a maior ofensa ser atingido por ovos no dia do aniversário.
— E quindim, você gosta? – perguntou a minha mãe.
— Odeio.
— Fio-de-ovos? Pastel-de-Santa-Clara?
— Doces portugueses são todos de ovos! Eu odeio…
Uma vez, liguei a televisão, na manhã de uma sexta desempregada e um programa de culinária ensinava a fazer uma torta portuguesa cujo recheio era nada mais nada menos de ovos-moles com fio-de-ovos. Irritei-me no acto.
A furibunda defesa dos ovos como alimento primordial, base de tudo, feita pelos meus pais irritou-me muito. Bebi mais uma taça de vinho e fui tirar o consueto cochilo dominical.

* * *

À noite, durante o meu jantar de sanduíches (risoto no microondas nem pensar), começou a discutir-se de religião. Queriam provar-me que eu não era ateu.
— Quem tem medalha de santo… de qual santo que você tem medalha?
— São Bento…
— Então; você tem medalhinha de santo; então acredita em alguma coisa…
— Não. O que tem a ver o cós com a calça?
— Não é possível que você não acredita em nada. – escarneceu meu pai.
— Claro que ele acredita! – interveio minha mãe.
— Não, não. – abanei a cabeça.
Então foi a minha vez, rebaixei o clero ao nível dos porcos, citei um poema do Fernando Pessoa no qual o Espírito Santo é uma pomba que suja cadeiras e Deus é um velho emburrado.
— Religião é coisa de atrasados! Podem ver! Os primeiros deus são representações das forças naturais; e apesar de já terem escrito isso, sabe-se-lá-deus-quem, consegui chegar à essa observação sozinho! Porque?! Porque exclusa a carolice e o fanatismo, isso é facilmente visível.
— Mas o Deus católico… - tentou intervir a minha mãe.
— Que Deus católico?! É tudo representação da mesma «força oculta» (fiz um gesto com os dedos, mostrando aspas). Que Deus!
Algumas blasfêmias.
— E mais! O Papa morreu, não morreu? Se o representante de Deus sucumbe, o Cornudo está à solta na face da terra.
Ficaram petrificados. Fui para o quarto.

domingo, abril 10

Arquivos secretos

Diário de campanha
Extraído das comunicações do Comandante-em-chefe das tropas venardas, o Marechal Pietro Maria De Laurentiis, Duque de Sèrbera Litànica, endereçadas a S. A. R. o Conde De Venardis, chefe de Estado e Governo, Conde e Defensor dos povos da Venárdia pela Graça de Deus e vontade do Povo. Comunicações referentes ao período da Guerra venardo-monegasca, liberadas dos arquivos nacionais depois de anos de sigilo.
Alteza,
Venho por meio desta, trazer-vos primeiramente as minhas manifestações de alta estima e consideração.
Também aproveito para dar notícias da nossa campanha contra o terrível inimigo que se nos afronta, o malévolo Principado de Mônaco, pela posse da ilha ainda sem nome. Chegamos na manhã de hoje [26 de maio de 1984] a Nice, onde a declaramos municipalidade venarda defronte à Catedral, mas infelizmente, policiais franceses pertencentes à judeu-maçonaria rechaçaram as nossas tropas que, apesar da nossa superioridade numérica (somos seis, como S. A. bem sabe) conseguiram nos rechaçar (eram os policiais dois). Tivemos que estabelecer acampamento fora da cidade de Nice, - que foi venarda durante três horas - em um acampamento de traillers, cuja fatura está sendo enviada junto. Às primeiras horas do 27 de maio corrente, mandei o Sargento Brassoni, III classe em reconhecimento ao campo inimigo, mas provavelmente, agentes monegascos já inflitrados pelo bosque de carvalhos próximo de Nice jogaram-lhe uma colmeia sobre a cabeça. Apesar das quase 150 picadas, o Sgto. Brassoni, III classe está bem. Bem inchado. Junto do arrebol da aurora do mesmo 27, mandei o Cabo-adjunto-substituto Micélovitch IV classe pegar lenha, para podermos acender o fogo para o pequeno-almoço. Durante o caminho, foi posto a correr por militares monegascos disfraçados de urso; chegando no acampamento, o Cabo-adjunto-substituto Micélovitch IV classe apresentou sua carta de deserção e correu a pedir asilo na Catedral de Nice. S. A. que me perdoe, pois sabe que nunca foi a favor do custeio e incremento da imigração sérvia para a Venárdia; os sérvios não são confiáveis.
Na seqüência, eu acompanhado do Tenente Striduloni II classe tentamos nós mesmo fazer o reconhecimento da área e do caminho para Mônaco, porém, os agentes monegascos infiltrados, acabaram também com essa nossa missão. O Tenente Striduloni II classe, foi derrubado por um agente da inteligência monegasca disfaçado de cerca. E eu acertado em cheio no olho direito por uma bolota de carvalho derrubada por um esquilo-franco-atirador monegasco. E devido a tantas baixas, dei, nesse 27 de maio, ao merídio, o toque de recolher.
Att.,
Marechal Pietro Maria De Laurentiis, Duque de Sèrbera Litànica.
Despacho da Casa Real 365/84, de 27 de maio de 1984
Ao Condal Hospital Psiquiátrico.
Favor recolher, logo à saída do vôo proveniente de Marselha, S. Excia. o Marechal De Laurentiis directamente a esse meu Hospital e também à câmara acolchoada. Tratá-lo a pão e água.
el-Conde.

sábado, abril 9

Veto onipotente

«Si sa che la gente dà buoni consigli,
sentendosi come Gesù nel tempio.»

(«Bocca di rosa», F. De Andrè)

Eu, o ser mais estúpido
de toda a face do orbe.
Pois onde quer qu’eu vá, palúrdio!,
vêm conselhos, planorbes.

«Porém», «senão», «talvez»;
a alheia opinião onipotente!
Somente uma chuva de Xerez
deixa-me ilesa a mente.

A madre-eclésia prega,
a mãe explica,
a pátria obriga
e não há quem sobreviva

a um veto onipresente.

Grita o povo pelas praças;
gemem pelos livros as traças,
todos vêm-te com um veto,
e querem ouvir o accepto.

sexta-feira, abril 8

Novas notas do Diário Oficial

Desp. Gab. da Casa Real 325/abr. 2005 -
Torna-se público o despacho de S. A. R. el-Príncipe De Venardis sobre o falecimento de S. A. R. Príncipe Rainier de Mônaco. Embora a Chancelaria tenha advertido S. A. R. o Príncipe De Venardis sobre os termos problemáticos contidos na declaração, mas S. A. R. não aceitou emenda, nem do trecho transcrito acidentalmente pelo estenodactilógrafo.

Au Ministère des Relations Exterieurs du Principauté de Monaco;

A Real Casa do Principado da Venárdia, comunica que S. A. R. o Príncipe de Venardis nada tem a lamentar-se visto o estado de Guerra entre os dois estados pelo litígio sobre um rochedo no Mediterrâneo, considerado por nós uma ameaça à segurança nacional, visto a existência no dito rochedo de uma base militar monegasca do tipo comandos-em-acção. Apesar da intervenção das Nações Unidas, o S. A. R. o Príncipe de Mônaco sempre nos ignorou e tripudiou de nós com o auxílio financeiro de Edmond Safra e Michael Schumaker.
Por tanto, em vista dos infelizes acontecimentos que levaram S. A. R. o Príncipe de Mônaco do nosso convívio terreno, S. A. R. o Príncipe De Venardis, deseja ao povo monegasco, todos os milionários e agiotas viventes no Principado de Mônaco, sinceramente, que o vosso Príncipe seja bem recebido por Lúcifer, pois é lá que S. A. R., o Príncipe de Mônaco reinará ante omnia secula seculorum. Agora saia daqui seu estúpido, essa máquina de estenodactilografia faz um barulho horrendo. Mais uma coisa: o pavilhão imperial a meio pau, por favor.

Ao inferno todos vós, cordialmente,
o Príncipe De Venardis, c.p.d.g.v.d.g.v.p.

Quid novi?

As novas hodiernas em bom latim, na Radiophonica Finnica Generalis. Apesar do nítido acento finlandês, é excelente. É possível acompanhar com o texto escrito.
Vale!

quarta-feira, abril 6

Segunda praga burocrático-administrativa

Os duendes de escritório ou de Berlim-Oriental
Parentes distantes dos duendes de Colônia (Köln, Alemanha), são consuetos habitantes dos escritórios; porém ao invés de prestarem auxílio como seus parentes de Colônia – quem fez o curso de alemão por rádio da Deutsche Welle, Deutsche, warum nicht? terá ampla visão do que digo – ao contrário, sua principal ocupação é obstar o ritmo de trabalho. Há algumas ocorrências que determinam se certo escritório tem muitos ou poucos duendes, visto que, um número pequeno deles chega a ser benéfico, mas sua superpopulação é extremamente prejudicial; os principais factores de atracção dos duendes é em primeiro lugar a quantidade de papel, aí eles comportam-se como as baratas; quanto mais papel, mais alimento. O café também os atrai enormemente; a combinação dos factores papel e café costuma ser chamariz tremendo e já perigoso, visto que num escritório somente com computadores tem um coeficiente médio de ocupação pelos duendes de ca. 0,35 indivíduo/m² enquanto os também providos de papel, esse índice salta já para 1,3/m² e com a combinação papel-café o índice vai a estratosféricos 2,75/m².
Suas actividades típicas é o furto de canetas, extratores de grampos e outros objectos relacionados ao mestiere burocrático, trazendo o caos aos funcionários. Que sumam objectos não é em tese, algo tão caótico, desde que ocorra em baixas propoções; 2 ou 3 vezes por dia. E são justamente os grampeadores, extratores, carimbos que formam o perigosíssimo «factor objetos»; Papel, café e miudezas de escritório podem catapultar o índice de ocupação a absurdos 10,7-11/m².
Em altas concentrações, os duendes são extremamente perigosos; a população autóctone passa a disputar alimento com os ingressantes; a competição entre as diversas facções que terminam por formar-se, transforma o escritório numa verdadeira sucursal do Inferno, funcionários desesperados pelo sumiço de determinados papéis, procurando, miserandos, o extrator de grampos e outras tantas situações vexatórias.
Quanto às condições de saneamento básico entre os duendes, essas pouco afetam os funcionários normais, mas, imperceptivelmente, o odor das excreções dos pequenos têm o poder de deixar os chefes histéricos.

Tábua I – Cidades nas quais os duendes são mais presentes (1981)
1. Moscou, 2. Berlim-Oriental, 3. Bucareste, 4. Budapeste, 5. Tirana, 6. Belgrado, 7. Varsóvia, 8. Madri, 9. Trípoli, 10. Brasília.

Deve-se tem em conta, a alta concentração dos duendes de escritório é extremamente perigosa, visto que gera crises nos órgãos fundamentais da Administração Pública. Foi a superpopulação de duendes que minou todo o bloco socialista, no final dos anos 1980, começo dos 1990.
Referências bibliográficas
Enciclopedia della Venardia, tomo XV, pp. 7589-7592 e também;
DE VENARDIS, Sergio La communicazione tra i diversi tipi di gnomi, basilischi ed altri esseri fantastici. 25.ª ed. Ufficio Stampa Nazionale: Venardia, 1987.

terça-feira, abril 5

Fumigação da consciência

«Il furto d'amore sarà punito
dall'ordine costituito.»
(Bocca di Rosa, F. De Andrè)
Hoje, o dia não nasceu. Pariu-se horrivelmente; mas, incrivelmente acordei de bom humor; risadas logo cedo, ainda tomando café, rimos bastante eu e a minha irmã. Saído de casa, incrivelmente, peguei o ônibus e fui sentado, idem no metrô, também no trem; e apesar do dia cinzento, as ervas-daninhas mais-que-sem-vergonhas riam nos seus domínios, entre as estações Imperatriz Leopoldina e Presidente Altino. Mesmo assim, algo batia no fundo da alma, como uma fanfarra militar e de vez em quando, dava sobressaltos. E na Praça do Relógio, sentado no banco húmido, preenchendo mais um caderno de inutilidades temporais, um pouco cismado ainda, e cismando muito, mascando assuntos da véspera: latins, neerlandeses, De André. E pensando numa crucial correspondência electrônica que eu deveria enviar dentro de alguns minutos; ruminava ainda o seu formato, as suas citações subtis, sim deveriam ser todas subtis; a linguagem, em suma, deveria ser subtil. Afinal, são assuntos delicados. De improviso, restei-me congelado. Do Anfiteatro, o vento trazia, igualmente subtil, parte do ensaio da Orquestra: e era o último movimento da Nona Sinfonia de Beethoven; Tochter aus Elysium! Senti que parte do sentimento incomodo cedeu. Tomei coragem e pus-me a andar, havia uma carta a escrever.

segunda-feira, abril 4

Il Gorilla - De Andrè

Um pouco de De Andrè para desopilar os fígados.

Il Gorilla
(F.De Andrè - traduzione da G.Brassens)

Sulla piazza d'una città
la gente guardava con ammirazione
un gorilla portato là
dagli zingari d'un baraccone
con poco senso del pudore
le comari di quel rione
contemplavano l'animale
non dico come non dico dove
Attenti al gorilla!

D'improvviso la grossa gabbia
dove viveva l'animale
s'aprì di schianto non so perchè
forse l'avevano chiusa male
la bestia uscendo fuori di là
disse:"Quest'oggi me la levo"
parlava della verginità
di cui ancora viveva schiavo
Attenti al gorilla!

Il padrone si mise a urlare:
"Il mio gorilla, fate attenzione
non ha veduto mai una scimmia
potrebbe fare confusione"
Tutti i presenti a questo punto
fuggirono in ogni direzione
anche le donne dimostrando
la differenza fra idea e azione
Attenti al gorilla!

Tutta la gente corre di fretta
di qua e di là con grande foga
si attardano solo una vecchietta
e un giovane giudice con la toga
Visto che gli altri avevan squagliato
il quadrumane accelerò
e sulla vecchia e sul magistrato
con quattro salti si portò
Attenti al gorilla!

"Bah - sospirò pensando la vecchia -
ch'io fossi ancora desiderata
sarebbe cosa alquanto strana
e più che altro non sperata"
"Che mi si prenda per una scimmia
- pensava il giudice col fiato corto -
non è possibile, questo è sicuro"
Il seguito prova che aveva torto
Attenti al gorilla!

Se qualcuno di voi dovesse
costretto con le spalle al muro
violare un giudice od una vecchia
della sua scelta sarei sicuro.
Ma si dà il caso che il gorilla
considerato un grandioso fusto
da chi l'ha provato, però non brilla
nè per lo spirito nè per il gusto.
Attenti la gorilla !

Infatti lui, sdegnata la vecchia
si dirige sul magistrato
lo acchiappa forte per un'orecchia
e lo trascina in mezzo a un prato.
Quello che avvenne fra l'erba alta
non posso dirlo per intero
ma lo spettacolo fu avvincente
e la "suspance" ci fu davvero.
Attenti al gorilla!

Dirò soltanto che sul più bello
dello spiacevole e cupo dramma
piangeva il giudice come un vitello
negli intervalli gridava:"Mamma!"
Gridava mamma come quel tale
cui il giorno prima come ad un pollo
con una sentenza un po' originale
aveva fatto tagliare il collo.
Attenti al gorilla!

domingo, abril 3

Nota Oficial

Ministério do Exterior do Principado da Venárdia / Ministero dell’Estero del Principato della Venardia
Eminentíssimo Senhor Cardeal e Camerlengo,
prostrada moralmente, com estremeções, a Venardia vem, genuflexa, atirar-se sem peias aos brados de lamentação que pede - que exige! - a partida do Santo Padre. Senhor Cardeal: a Venardia perdeu a luz de seus olhos, o pão de suas almas, o alento de seus corações. Nenhuma mortificação será pequena, nenhuma penitência será pesada demais para esta nação contrita. Pudesse cada cidadão deste humílimo rincão oferecer ao cepo sua própria cabeça em troca da do Sagrado Pai, e Deus teria consigo agora toda uma nação em seu seio. Mas, ai!, insondáveis e justos são os desígnios do Senhor, que se nos traz ora dor tão aplastrante, saberá ofertar-nos alegria e lenitivo maior em bom tempo. A Venardia, na minha pessoa, permanece à espera do que se houver por bem determinar, pondo o sangue de seus filhos à frente da fila de qualquer beato sacrifício.
Escreveu-o o Ministro do Exterior,
o Duque d’Artur Alvim, assina do Príncipe.

sexta-feira, abril 1

Primeiro de abril

Aproveitando a notoriedade da data de hoje, peço-vos que imprimides esse cartaz e fixade-lo no mural, das vossas empresas, das vossas escolas, das vossas Faculdades. Mas atentade para que haja vida inteligente nesses ambientes.

Vida longa!