domingo, junho 12

Uma história dentre cem outras

«Mas você nem tentou!», falava a minha amiga ao volante enquanto eu mastigava alguns pensamentos amargos, cravado no banco traseiro.
«Não tenho traquejo prà coisa, è meglio lasciar perdere...», respondo.
«Mas e o telefonema? você não telefonou pra ela.».
«Não adianta, já não te disse qu’ela tem namorado...».
«Não, mas eu falo da prima dela...».
«Não adianta, deixa pra lá; mi sto bene così. Pra mim é difícil; talvez fosse mais fácil conquistar a Argentina com a minha espingarda de chumbinho.»

Veio-me tudo primeiro: as primeiras responsabilidades, os primeiros pesos insuportáveis, as primeiras tristezas abissais; mas ainda tinha alguma esperança. A idade entrou-me já pela segunda dezena, preocupações mais acentuadas, pensamentos mais profundos e reflexivos, terminei por fechar-me, mas me iludia ainda, alimentava esperanças como quem alimenta piolhos, esperanças que ficaram gordas e incômodas com o meu sangue.
Recentemente, a minha primeira gastrite tolheu-me as últimas esperanças. Com o estômago dolorido, tornei-me amargurado e cínico; uma personagem de cenário, um figurante bufão da vida dos outros, com uma voz ridícula e de aparência não muito convidativa. Quando trabalhava no banco, a música que mais me vinha à cabeça era o Vesti la giubba, de I Pagliacci, que fala justamente de fazer-se passar pelo o que não se é; eu atendia toda aquela gente, que visceralmente dava-me nojo, mas rindo, ridi, pagliaccio!, ou seria ridi, bancário!
Então não me venham com lições de moral, porque o dia dos Namorados é sim uma data absolutamente estúpida e comercial; cada um tem seus motivos para não gostar; e para mim, os meus são suficientes, não me deixo influenciar. Ano após ano, desilusões sobrepostas, desgostos emparelhados como peças de dominó caídas numa reação em cadeia; dias ensolarados mas sem cor; a existência me frige como a um ovo, e a vida escoa como a água que desce pela sarjeta na enxurrada.

* * *
Peço desculpas aos meus eventuais leitores, mas não pude deixar de vomitar a catilinária anual; e talvez seja esse mal-estar que me está a destruir o estômago. Sou mal-amado? Sou sim; e sou ainda extremamente chato, vocês não imaginam como, chato e cínico; infelizmente sou obrigado a sair de casa, caso contrário, ficaria jogado o dia todo na cama, esperando a morte.
Sei que não vos interessa um nada, mas digo o que será esse meu dia dos Namorados: outro domingo absolutamente tedioso, chafurdado nesse tempo estúpido de outono, acompanhado de um livro mais-que-chato, que deve ser lido para segunda e um dia passado todo em casa, num ambiente alienante, ao som de música depressiva (como De André ou Catherine Ribeiro).

* * *
A todos, um ótimo dia dos Namorados, mas se me mantenham ao largo! Respeitem-me ao menos nesse domingo.

3 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Caro Sérgio,

É uma data comercial, sem dúvidas... E o jeito que você se sente é o jeito de muitos no momento. Tudo seria ótimo se tudo desse extremamente certo, jeito que sonhamos... Seria perfeito se a pessoa que queremos tantos nos quisesse também... Mas nem tudo é possível, e o não possível traz certos sentimentos que fazem com que nos sentimos dentro de um liquidificador sendo batidos com pedras de diversos tipos e tamanhos... Mas há ainda uma vida pela frente. Há ainda possibilidades de escolha e encontros ocasionais. Ainda há você.
Te adoro, viu moço?

Fátima Almeida

domingo, junho 12, 2005 9:56:00 da manhã  
Blogger Jeferson Ferreira disse...

sei como é... a dor não dá tréguas e é inexplicável... só outro q possui ou já possuiu essa dor é capaz de entender (ainda sem palavras) este saber obscuro, e sentar com o amigo na calçada p chorar mágoas.

domingo, junho 12, 2005 4:38:00 da tarde  
Blogger Jeferson Ferreira disse...

sei como é... a dor não dá tréguas e é inexplicável... só outro q possui ou já possuiu essa dor é capaz de entender (ainda sem palavras) este saber obscuro, e sentar com o amigo na calçada p chorar mágoas.

domingo, junho 12, 2005 4:38:00 da tarde  

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