domingo, outubro 30

209. Finiseptimanais

Retórica incortonável

O senhor João foi à agência Banco Ceausescu, na sede do município, para fechar sua conta bancária inativa.
— Tarde. – cumprimentou sôr Jão.
— Bas-tarde! – devolveu o atendente. Tudo bão co’ vosmecê, nhô Jão?
— Tudo; antonces, eu vim fechá a minha conta bancária.
— Mas, sôr Jão, por que?
— Ói, rapaz, é mió ’cê num discuti, eh?
— Mas, nhô Jão, o banco tem atendido vosmecê tão bem esses ano todo, mas cas-de-quê vosmecê qué fechá a conta?
— Ocê num arrepare não, Filozinho, ocê sabe qu’eu te conheço desde quand’ocê era desse tamanhico; antonces ocê num discute e fecha a conta pra mim, faz favor.
— Sôr Jão! Vosmecê qué um café…? Só num arrepare que é copo de plástico, as xícara tão tudo prá lavá… antonces, eu poss’ lhe dá um bão dum desconto na taxa de manutenção da conta, o que que vosmecê acha, hem? - completou Filozinho todo bonacheirão.
— Filozinho, já te disse que não; eu preciso de fechá a conta e eu tenho uns argumento irrefutável…
— Mas é, nhô Jão? E quis argumento são esses?
Seu João tirou da sua bolsa de couro um pedaço de pau duns 50 centímetros, largo, com um escrito em tinta preta: «retórica». Girou-o no ar, qual fosse uma clava.
— É, nhô Jão, aqui ’tá o termo d’encrerramento…

Veritats indiscutibles: Eu pensava que era a Áustria-Hungria, mas vi que não passava de uma Sérvia. Dum desiludido que cambava nas proximidades da Basílica de São Bento.

Pelo novo estatuto de autonomia da Catalunha:

No és això, companys, no és això,
ni paraules de pau amb garrots,
ni el comerç que es fa amb els nostres drets,
[...]

Não é assim, camaradas, não é assim,
nem palavras de paz com garrotes,
nem o comércio que se faz com os nossos direitos,
[...]

(Companys, no és això, Lluís Llach)

sexta-feira, outubro 28

208. Novidades

A Fonoteca Venarda, pela sua Coleção Ibérica, divulga mais um nome da música portuguesa de peso: Sérgio Godinho. Junto com Zeca Afonso e aïnda os espanhóis Joan Manuel Serrat e Lluís Llach, são a geração de músicos da época das reviravoltas políticas da península. Vai abaixo uma amostra do bom humor e dos temas de Godinho.

Quatro quadras soltas
(álbum Campolide, 1979)

Eu vi quatro quadras soltas
à solta lá numa herdade;
amarrei-as com uma corda
e carreguei-as prà cidade.

Cheguei com elas a um largo
e logo ao largo se puseram
foram ter com a família
e com os amigos que ainda o eram.

Viram fados, viram viras,
viram canções de revolta
e encontraram bons amigos,
em mais que uma quadra solta.

Uma viu um livro chamado
«Este livro que vos deixo»
e reviu velhas amizades
eram quadras do Aleixo.

[Adriano:]
O i o ai, há já menos quem se encolha,
o i o ai, muita gente fala e canta,
o i o ai, já se vai soltando a rolha,
que nos tapava a garganta!

Ora bem tinha marcado
encontro com as quadras soltas,
pois sim, fiquei pendurado
como um tolo ali às voltas.

Chegou uma e disse: «andei
a cumprimentar parentes»,
e eu aqui a enxotar moscas
vocês são mesmo indecentes.

Respondeu-me: «ó patrãozinho
desculpe lá esta seca
estive a beber um copito
com uma quadra do Zeca».

[e é o próprio sôr Zeca Afonso que vai cantar aqui]
O i o ai, disse-me um dia um careca
o i o ai, quando uma cobra tem sede
o i o ai, corta-lhe logo a cabeça
encosta-a bem à parede.

Das restantes quadras soltas,
não tinha sequer noticia
dirigi-me a uma esquadra
e descrevi-as a um policia.

Respondeu-me: «com efeito
nós temos aqui retida
uma quadra sem papeis
que encontramos na má vida.»

Diz que é uma quadra oral,
sem identificação,
que uma quadra popular,
não precisa de cartão.

Se diz que pertence ao povo,
o povo que venha cá
que eu quero ver a licença,
o registo e o alvará.

[Fausto:]
O i o, Quando se embebeda o pobre,
o i o ai, dizem olha o borrachão,
o i o ai, quando se emborracha o rico,
acham graça ao figurão.

Fui com a quadra popular,
à procura da restante
quando o policia de longe
disse: «venha aqui um instante,

temos aqui uma outra
não sei se você conhece
desrespeita a autoridade
e diz o que lhe apetece.

Tem uma rima forçada
e palavras estrangeiras
e semeia a confusão
entre as outras prisioneiras.

Se for sua leve-a já,
que é pior que erva daninha
olhe bem pra ela é sua?»
Olhei bem pra ela: é minha.

O i o ai, nós queremos é justiça,
o i o ai, e dinheiro para o bife
o i o ai e não esta coboiada
em que é tudo do sherife.

terça-feira, outubro 25

207. Um trinco no monolingüismo monolítico

Do Portal Galego da língua.

No último 22 de novembro [de 2002], foi aprovada pela Câmara do Vereadores de São Gabriel da Cachoeira a Lei de Co-oficialização do Nheengatu, Tukano e Baniwa no município, localizado no alto Rio Negro (AM).
Trata-se da primeira vez na história do Brasil que uma (neste caso três) línguas indígenas são elevadas, por lei, ao status de língua oficial. O projeto foi solicitado ao IPOL pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), entidade fundada em 1984 e que congrega 42 associações indígenas durante sua assembléia geral de janeiro de 2000, na presença de 513 delegados.
O trabalho foi feito por uma equipe do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística – IPOL, em conjunto com o advogado Márcio Rovere, e desenvolveram o conceito de co-oficialização para sinalizar total respeito ao artigo 13 da Constituição Federal, pelo qual o português é a língua oficial da União. Pelo projeto apresentado, todos os órgãos da prefeitura e dos demais poderes sediados no município, inclusive a iniciativa privada, devem dispor de funcionário para atender aos cidadãos em português e nas três línguas co-oficiais; a documentação da prefeitura deve ser produzida nas quatro línguas; todas as escolas sediadas no município ensinarão pelo menos uma das línguas indígenas co-oficiais, mesmo que não sejam escolas indígenas, além de outros pontos.
As medidas têm um prazo de cinco anos para entrarem em vigor, prazo no qual a equipe do IPOL continuará trabalhando, com a FOIRN e outras entidades da sociedade civil, de maneira a disponibilizar recursos, gerar corpo técnico para a elaboração das traduções, etc. A aprovação dessa lei (145/2002) é de grande importância no contexto das discussões sobre o Projeto de Lei dos Estrangeirismos, porque mostra exatamente como a legislação pode ser utilizada para o fomento e a defesa da diversidade e da pluralidade, e não o contrário. São Gabriel da Cachoeira é possivelmente o lugar mais plurilíngüe das Américas: um município de 112.000 km quadrados (maior que Portugal ou Santa Catarina) onde se falam 22 línguas indígenas diferentes, de 4 troncos lingüísticos direfentes (Tupi-Guarani, Tukano Oriental, Maku e Aruak). Além disso, é possivelmente o único lugar no mundo em que o critério de casamento tradicional (no caso dos povos Tukano) é lingüístico (exogamia lingüística: um homem não pode se casar com uma mulher falante da mesma língua que ele). O IPOL atua na região desde 1997, quando um dos seus integrantes, Gilvan Müller de Oliveira, esteve como docente do Curso de Magistério Indígena da Prefeitura Municipal, no qual se formaram os primeiros 163 professores indígenas que atuam nas escolas públicas da região.
Atualmente a equipe do Rio Negro é formada por 4 pessoas (Maurice Bazin, Silvia de Oliveira, Andréa Scaravelli e Gilvan Müller de Oliveira). Sua atuação se dá em parceria com o ISA - Instituto Socioambiental, ONG que desenvolve vários projetos na região- São Gabriel da Cachoeira é um município de ampla maioria indígena (cerca de 95% da população é indígena) e que esse é o caso de vários outros municípios no Brasil.
Primeira ONG brasileira dedicada à política lingüística, fundada em 1999 e tendo por sede Florianópolis, no sul do país, o IPOL atua em seis programas de trabalho: Línguas Autóctones, Línguas Alóctones, Gestão Escolar da Língua Portuguesa, Segunda Língua, Lusofonia e Mercosul. É uma entidade sem fins lucrativos, composta por membros de várias especialidades, e que tem criado e administrado bancos de dados sobre as línguas brasileiras do ponto de vista dos direitos lingüísticos dos cidadãos.

Página do IPOL. Página do Portal Galego da Língua.

Só para complementar:
Da Constituição da República Federativa do Brasil (1988):
Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.

Louvável a intenção do IPOL, mas as minhas dúvidas são realmente quanto à legalidade da decisão, visto que o artigo 13 da Constituição é hermético e no título III, capítulo IV da mesma legislação, não é incluïda como atribuições municipais legislar sobre política língüística. Infelizmente não encontrei o texto da lei municipal de São Gabriel da Cachoeira para poder ver como foi redigido, já que é citado que não vai de encontro à Constiruição Federal. Gostaria de ver o texto e compreender o conceito de co-oficialização e ver como funciona; talvez seja o mesmo passo para outras comunidades minoritárias poderem afirmar sua língua e sua cultura.

segunda-feira, outubro 24

206. Mundo catalão em português

Novo blogue pertencente ao nosso grupo: Món català en portugués. Notícias da Catalunha em português; e lembre-se: la millor opinió és la teva.

205. Repercussão do referendo

da Catalunya Informació

Brasília -
El Brasil ha votat en referèndum si es prohibeix el comerç d'armes al país. Els col·legis electorals ja han tancat al Brasil. Milions de brasilers estaven cridats a les urnes, però no per decidir cap càrrec polític, sinó per pronunciar-se sobre la venda lliure d'armes al país. El Brasil té un dels índexs mundials més alts de morts per arma de foc, amb 36.091 vícitmes registrades el 2004. Tot i aquesta xifra, sembla que la població votarà en contra de la prohibició. Els resultats es coneixeran a partir de mitjanit.
El Tribunal Superior Electoral brasiler havia convocat més de 122 milions d'electors perquè responguessin a una pregunta: «El comerç d'armes de foc i munició s'ha de prohibir al Brasil?» Totes les enquestes divulgades en els últims dies vaticinen que el «no» serà el guanyador del referèndum.
Els primers col·legis que han obert han estat els de les regions del sud del país i el Districte Federal, mentre que en les altres regions les votacions han començat més tard. L'hora d'obertura dels col·legis electorals era les 8.00, hora local, però com que el país és tan gran, s'ha de tenir en compte el desfasament horari.
En el referèndum s'han utilitzat 368.000 urnes electròniques i la previsió del Tribunal Superior Electoral és que els primers resultats es divulguin passades les dotze de la nit, hora de Catalunya, amb un alt percentatge dels vots escrutats.

Brasília - O Brasil votou em referendo se se proïbe o comércio de armas no païs. Os colégios eleitorais já fecharam, milhões de brasileiros foram às urnas não para decidir sobre algum cargo político, mas para se pronunciarem sobre a venda livre de armas no païs. O Brasil tem um dos índices mundiais mais altos de mortos por arma de fogo, com 39.091 vítimas registradas em 2004. E apesar dessa cifra, parece que a população votará contra a proïbição. Os resultados se conhecerão a partir da meia-noite (hora da Catalunha).
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro havia convocado mais de 122 milhões de eleitores para que respondessem a uma pergunta: «O comércio de armas de fogo e munição dever ser proïbido no Brasil?». Todas as pesquisas divulgadas nos últimos dias dão o não como vencedor do referendo.
Os primeiros colégios que abriram foram os das regiões sul do païs e o Distrito Federal, enquanto que em outras regiões, as votações começaram mais tarde. A hora de início das votações era às 8:00, hora local, porém como o païs é tão grande, há-de ter-se em conta o fuso-horário.
No referendo utilizaram-se 368.000 urnas electrônicas e a previsão do Tribunal Superior Eleitoral é que os primeiros resultados sejam divulgados logo após a meia-noite, hora da Catalunha, com uma alta porcentagem de votos apurados.

Meu comentário.

Os outros vêem, porque nós não. Hoje, diante da urna, num rápido exame de consciência, optei pelo sim. Mas alguns que querem defender seus «direitos», votaram pelo «não». Quero ver como vão defender-se das balas, talvez com o osso do crânio; gente chucra e ignorante, é o atestado de ignorância concedido à toda a população.

Eu tenho vergonha: cobertura do Estadão.

sábado, outubro 22

204. Por um païs realmente de todos

Estamos já a menos de 24 horas do referendo, um referendo pífio que não mudará tecnicamente nada, seja o resultado sim ou não. Em tese, eu sempre fui contra porte de arma e acho um tanto quanto ridículo, alguns que vêm e têm coragem de pôr a cara frente às câmeras per defender «direitos». Como já disse há algumas postagens atrás, que direito é esse que obrigatoriamente cerceia o direito alheio?
Primeiramente, pensei em votar pelo sim, coerente pelas minhas posições, mas acredito que esse tipo de referendo seja inútil dada nossa situação actual, i-há tantas outras, todas empacadas pelo sempiterno lamaçal que domina as casas legislativas da nossa república centralista; além do mais, fui convocado para compor as mesas de recepção de votos pela quarta – e finalmente a última – vez, a minha Presidência de mesa.
Eu votaria de bom-grado, por exemplo, em um estatuto de autonomia que nos transformasse realmente numa Federação de Estados, não nessa liga de províncias que somos desde a época do Império. Tratam os Estados como províncias, tanto que há projectos para fatiá-los e criar inexpressivos territórios em nome de interesses politiqueiros de políticos oligárquicos e coronelistas. Nossa actual autonomia só nos permite que tenhamos documentos com numeração diferente e que possamos ter variáveis alíquotas de ICMS, o que causou os vergonhosos e oprobriosos episódios da guerra fiscal.
Por uma autonomia maior para os Estados, por uma Federação de verdade, eu votaria sim.
As armas? Ah, sim. Decidi, pela ineficiência e inoportunidade do tema, anular o meu voto.

Real Escritório de Esquartejamento: federalismo, Toninho Malvadeza, Canudos, república do café-com-leite.

sexta-feira, outubro 21

203. Um real pelos 40 anos do Banco Central

Bem, mas um item para a minha colecção. Será que alguém poderia passar no Banco Central, na avenida Paulista para me pegar uns cinco exemplares? Eu e a minha colecção vos agradeceríamos muito.

O Banco Central do Brasil lançou em 23 de setembro de 2005 moedas de um real com motivo alusivo aos 40 anos do início de suas atividades institucionais. A quantidade é limitada a 40 milhões de peças, que serão distribuídas até o final de 2005. Elas pesam 7 gramas - como as normais -, são de aço inoxidável (centro) e aço revestido de bronze (anel externo), também como as normais.
No anverso, imagem central inspirada na logomarca oficial criada pela equipe da Secretaria de Relações Institucionais do Banco Central do Brasil para as comemorações dos 40 Anos da Instituição, que utiliza a referência direta da perspectiva do Edifício-Sede em Brasília e a legenda «BC», além das inscrições «BANCO CENTRAL DO BRASIL» e «1965 40 ANOS 2005». O reverso permaneceu inalterado, bem como as suas características.

Extraïdo e adaptado da página respectiva do Banco Central.

Convenhamos: já não se cunham mais moedas como antigamente. Se pegamos as moedas das primeiras décadas do século XX, são pequenas obras de arte, relevos bem trabalhados, ligas de metal resistentes. Hoje, mesmo com a estabilidade monetária de 11 anos, os anos anteriores do vórtice hiperinflacionário terminaram com a qualidade técnica da cunhagem, tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos. A última série de moedas decente e apresentável do Brasil é aquela de 1967-1979, mas mesmo essas, feitas primeiramente em cupro-níquel, a partir de 1975 começaram a ser de aço inoxidável (esse metal bastardo!). Porém conservavam aïnda o desenho. Com a série nova do real (desde 1998), fugimos um pouco do aço; aparentemente, pois debaixo do cobre e do bronze, o maldito aço vagabundo continua lá, e a qualidade do desenho deixa muito a desejar, são umas moedecas pós-modernas bem sem-vergonhas, e como disse algum colunista de jornal quando da apresentação da série nova (lembra-me bem o então Presidente Fernando Henrique Cardoso, de sorriso torto, segurando um sólido de acrílico com todos os valores da série incrustados no interior), que era uma baixa e feia imitação das moedas de euro, cujo desenho fôra divulgado pouco antes.
Essa moeda de um real comemorativa, além de comemorar um tema pífio, o desenho alusivo é o mais puro realismo-socialista: o desenho do quadrado e sem-graça prédio-sede do Banco Central, em Brasília, uma cidade sem-graça desenhada por um arquiteto misantropo. A quem interessa os quarenta anos do Banco Central? É como o referendo sobre a venda de armas, pífio. Há outras coisas para serem lembradas, muito mais importante na nossa história, do que a fundação do Banco Central. Porque não uma sobre os 20 anos da redemocratização, por exemplo?

Aïnda em tempo: sob indicação real El Periódico de Catalunya. e a Catalunya Ràdio S. R. G..

Real Conservadoria de Talheres Valorados: moedas brasileiras, numismática brasileira, estética, desperdício de dinheiro público, ditadura militar, emissão de moeda, lastro em ouro.

quarta-feira, outubro 19

202. Uma ressalva bem-vinda desde Valência

Apresento a todos os meus leitores, um defensor das línguas espanholas, valenciano, do qual recebi um comentário na postagem 198, sobre algumas ressalvas aos pontos de vista errôneos aos quais poderia conduzir o velho cabeçalho que apresentava as bandeiras de cinco Comunidades Autônomas espanholas, representantes, cada uma as cinco línguas oficiais dentro do Estado Espanhol (segundo o sítio da Constituição Espanhola). A representação de línguas por bandeiras de estados é complicada realmente, salvo que seja uma língua falada por um único païs, como por exemplo, a Grécia, ou Malta; certamente o grego e o maltês podem ser tranqüilamente representados pela bandeira da unidade territorial que usa da respectiva língua e carrega o seu gentílico. Já antecipo que a escolha pelas bandeiras foi somente um quesito prático, pois se fosse o caso de ser fiel, eu teria de ter posto as bandeiras de todas as vinte-e-uma (corrijam-me se erro) Comunidades Autônomas espanholas.
Mas se trata de uma ressalva feita de modo coerente e portanto acatada, gostaria que o nosso caro Técnico Lingüístico não me levasse a mal pela escorregadela, embora, como já lhe ressalvei, eu tenha consciência sim da diversidade lingüística espanhola.

Transcrevo os textos do comentário (original e traduzido) e a resposta, inserida nos comentários, passada por correio eletrônico ao Técnico e agora aqui postada.

«En primer lloc, enhorabona per un web tan entretingut, ben dissenyat i interessant, que per això vos vaig enllaçar. I vos demane disculpes per escriure en català (modalitat valenciana), ja que el meu portugués només m'arriba a la lectura. Després, la meua aportació voldria precisar que les cinc llengües oficials de l'estat espanyol no es corresponen amb les que assenyaleu, sinó que hi ha les quatre plenament oficials (gallec-portugués, castellà-espanyol, basc i català-valencià) i la cinquena, en modalitat només de protecció, és el bable-asturià. Les denominacions estatutàries poden ser diverses, però la realitat lingüística no es troba compromesa per la retòrica política. Al contrari, els noms no fan la cosa. De fet, cal tindre en compte que les llengües no es reclouen en les divisions políticoadmnistratives, ja que el català és parlat a l'estat espanyol a Catalunya, País Valencià, Illes Balears, Múrcia i Aragó. Per això, la qüestió de les banderes tampoc no és correcta, atés que la valenciana i la catalana representen la mateixa llengua, la basca oblida la de Navarra (on hi ha zona basca), i la de Castella-La Manxa oblida les de Castella-Lleó, Aragó, Andalusia, Canàries, etc. Convindria no representar les llengües amb banderetes, perquè els drapets són símbols polítics destinats a uns altres usos.»

Tradução do catalão para o português (que seria de mim se não fosse o excelente dicionário normativo do IEC?)

Em primeiro lugar, felicitações por um sítio tão criativo e divertido, bem desenhado e interessante, motivo pelo qual o enlacei [ao meu]. E lhe peço desculpas por escrever em catalão (modalidade valenciana), já que o meu português apenas me chega à leitura.
Depois, o no meu aporte, gostaria de precisar que as cinco línguas oficiais do Estado Espanhol não correspondem com as que você assinalou, visto que há as quatro plenamente oficiais (galego-português, castelhano-espanhol, basco e catalão-valenciano) e a quinta, em modalidade apenas de proteção, é o bable-asturiano.
As denominações estatutárias podem ser diferentes, porém a realidade lingüística não se acha comprometida pela retórica política. Ao contrário, os nomes não fazem a coisa. De fato, é necessário ter em conta que as línguas não estão reclusas às divisões político-administrativas, já que o catalão é falado no Estado Espanhol na Catalunha, Païs Valenciano [Valência], Ilhas Baleares, Múrcia e Aragão.
Por isto, a questão das bandeiras não é correta, veja que a valenciana e a catalã representam a mesma língua, a basca faz esquecer a de Navarra (pertencente à zona bascófona), e a de Castela-La Mancha obnubila as de Castela-Leão, Aragão, Andaluzia, [ilhas] Canárias, etc. Conviria não representar as línguas com bandeirinhas, porque as flâmulas são símbolos políticos destinados a outros usos.

Minha resposta:

Já começo desculpando-me em não poder responder em catalão, pois como o seu português, consigo ler, mas não elaborar texto mais complexo; os meus estudos os comecei há pouco.
Vos sou grato pelos elogios e concordo plenamente convosco no que se refere à realidade lingüística espanhola: percebo que as diferenças do catalão propriamente dito e do valenciano são mínimas (no texto posto do artigo 174, vê-se que são umas formas verbais e principalmente nos possessivos «seva» por «seua» etc.), se não me falha a memória, o valenciano é o dito «catalão ocidental»; também não me esqueci da Comunidade Foral de Navarra, bascófona; a questão das bandeiras é - como você mesmo citou - é uma consideração somente de ordem prática, e sempre encontramos problemas; no português é idêntico: quando se trata de uma web em português, usamos a bandeira brasileira ou aquela portuguesa para representar o idioma? E os païses africanos de língua portuguesa? Então, as bandeiras são por mera convenção e tenho plena consciência do que você me refere.
A sugestão de retirar as bandeiras será aceita; aïnda mais com esse ponto de vista que você me apresenta. Vos devo dizer que sou defensor entre os meus compatriotas da heterogeneidade lingüística da Espanha, o que é difícil e quase incompreensível em um païs de 185 milhões de pessoas e uma única língua (prodígios da colonização) enquanto outros bem menores, como a Espanha, Itália e França tenham dezenas, dependendo do caso, no mesmo território.
Eu também enlaçarei o seu sítio ao meu, o qual achei realmente deveras interessante.

Agora aïnda, sob aprovação real: Eines de llengua (em catalão-valenciano).

Representação venarda junto à Onu: política lingüística espanhola, catalão ocidental, linguas ibéricas.

segunda-feira, outubro 17

201. O público poder

Saiu uma publicação no Diário Oficial e você, funcionário dedicado, armado já de tesoura, cola e folha de papel sulfite com a identificação do artigo, põe-se à obra: recorta, junta as duas partes da coluna, visto que o texto saiu no final de uma coluna e começo da outra; junta as duas partes e coladas já na superfície, parecem um único fragmento. No cabeçalho, as indicações de caderno, página e data, diagramadas com esmero, impressas em jacto-de-tinta. O original, obra-prima, vai para a pasta de publicações, orgulho do funcionário, toda organizada e sem que a cola prenda as folhas umas contra as outras, limpa. Finalmente, faz as cópias necessárias para os chefes da repartição, três ou quatro. Entrega para o chefe. O chefe esquadrinha olha, e quando o funcionário feliz de haver cumprido com o seu dever, dirige-lhe o chefe a palavra: «Você não pode fazer uma cópia ampliada, eu não consigo enxergar uma letra desse tamanho!». Ao invés de mandar fazer óculos, os chefes de repartição fazem uso da ampliação das máquinas reprográficas.

Real Fábrica de Pneumáticos: burocracia institucionalizada, escândalos em repartições públicas, cosmologia do salazarismo, burocracia soviética, peças de reposição para Lada, Biografia de Yuri Gagarin, Tradição, Família e Propriedade.

200. Real indicação

Per indicació de la Seva Altesa Reial, el Príncep de la Venardia, conforme indica o feioso selo ao lado, veja-se:

in Barocco, novo blogue de Messer Tartufo de’ Verdipascoli.

domingo, outubro 16

199. Zibaldino - língua e acentuação

«Soy partidário de las voces de la calle,
mas que del diccionario.»
(J. Manuel Serrat)

Atento. Não deixe que a televisão influencie excessivamente a sua linguagem. Um païs imenso como o nosso que tem uma única língua, é quase poético, lindo e ideal; mas a mídia tem tentado uma uniformização dos sotaques e acentos regionais. O dever de cada um é ser cioso com o seu acento regional, não descriminar ninguém por tal, ou tentar de impor o seu a outrem, trata-se somente de tentar resguardar um pouco da parca identidade regional. Sim, somos todos brasileiros mas não precisamos abrir mão daquilo que nos difere dos outros habitantes do païs. Digo então pela minha terra, a região de São Paulo: é afetação insuportável repor ditongos onde eles foram montongados, casos notórios: peixe, queijo, feixe, seixo, brasileiro. Se alguém nascido em São Paulo carrega consigo essa pronúncia, é afetação oriunda certamente da mídia.
Em compensação, pronúncias históricas ou diafásicas são inclusive, alvo de chacotas: caso dos grupos di e ti quando não-africados; ou do r vibrante no começo de palavras ou quando graficamente dobrado no interior das palavras, hoje substituïdo pela pronúncia extraterritorial, vira uma aspirada, o que para mim, é pronúncia de h do inglês.
O mesmo quanto à entonação característica, o popular falar cantado. É bom que abramos os olhos e os ouvidos, estão tentando tirar o pouco que nos resta e nos dá uma identidade coletiva lingüística. Também não se tratam de alterações gráficas, que passem a serem aceitas como norma regional: não, a língua é uma e os acentos regionais têm de ser aceitos. Embora, uma grafia regional, fiel aos fonemas locais não é interdita para uso literário. Algumas pronúncias populares generalizadas, como por exemplo o apagamento do r final dos infinitivos dos verbos ou a elisão da primeira sílaba do verbo estar, são contempladas pelo Sistema Ortográfico de 1943 (válido até a actualidade com algumas alterações em 1971). No item XIII Apóstrofo, artigo 44, segundo parágrafo, prevê-se a utilização do apóstrofo para «reproduzir certas pronúncias populares: ’tá, ’teve». Se é válido para o verbo ’tá, há-de ser válido para ’cê, por você, ou então para a afamada expressão pó’ deixá. O acento em pó’ justifica-se por tratar-se de monossílabo tônico. No caso da elisão dos finais dos infinitivos, sou partidário do acento: fazê, dizê, cantá, por fazer, dizer, cantar. O que não é facto novo e é até usado com certa freqüência, mas sempre muito estereotipado.
Crase, outro ponto interessante. No português normativo, a crase é basicamente a união da preposição a com o artigo a e alguns pronomes demonstrativos começados por a: à, àquele, àquela. Mas a crase é mais, é um fenômeno lingüístico, é a fusão de dois sons idênticos, ou afins, uma fusão, conseqüentemente é lícito (para uso literário, friso) o uso do acento grave em prà (quando indicar para a), prò (para o), e não marcando sílaba tônica, como em sòdade por saudade; lembro-me de ter visto essa grafia num dos painéis feitos para o lançamento do CD Cancioneiro da Imigração, de Anna Maria Kiefer que foi na Pinacoteca do Estado no ano passado).
Uma grafia especial para os verbos no pretérito, com uma acentuação dupla, uma marcando a tônica e outra indicando a supressão da nasalização: cantaram, pelo português padrão, a cantárô; o primeiro marca a tônica e o segundo, o circunflexo marca a fusão da vogal final com a marca nasal.
E os dois tipos de não: o átono e o tônico: merecem sim grafia especial, o átono pode ser grafado num. Geralmente o átono aparece quando acompanhado de verbo conjugado.

Aïnda em tempo: uma peça publicitária da Generalitat Valenciana para a defesa da língua valenciana e incentivo ao seu uso: en valencià, naturalment!

Real Confederação Venarda de Bolinha de gude: Reforma ortográfica, a questão da língua, língua brasileira, Giacomo Leopardi, Mário de Andrade, línguas espanholas, llibres en català, gang bang, plebiscito de 1992, carta magna, Luís Vaz de Camões, política lingüística.

sexta-feira, outubro 14

198. Artigo 147 da Constituição Espanhola

Versões extraïdas do sítio da Constitución Española, nas cinco línguas oficiais da Espanha, versões usadas como oficiais nas Comunidades Autônomas onde a língua é falada.

1. Dentro de los términos de la presente Constitución, los Estatutos serán la norma institucional básica de cada Comunidad Autónoma y el Estado los reconocerá y amparará como parte integrante de su ordenamiento jurídico.
2. Los Estatutos de autonomía deberán contener:
a) La denominación de la Comunidad que mejor corresponda a su identidad histórica.
b) La delimitación de su territorio.
c) La denominación, organización y sede de las instituciones autónomas propias.
d) Las competencias asumidas dentro del marco establecido en la Constitución y las bases para el traspaso de los servicios correspondientes a las mismas.
3. La reforma de los Estatutos se ajustará: al procedimiento establecido en los mismos y requerirá, en todo caso, la aprobación por las Cortes Generales, mediante ley orgánica.

1. Dins els termes de la present Constitució, els estatuts seran la norma institucional bàsica de cada comunitat autònoma, i l’Estat els reconeixerà i els empararà com a part integrant del seu ordenament jurídic.
2. Els estatuts d’autonomia hauran de fer constar:
a) La denominació de la Comunitat que s’ajuste més bé a la seua identitat històrica.
b) La delimitació del territori.
c) La denominació, l’organització i la seu de les institucions autònomes pròpies.
d) Les competències assumides dins el marc establit per la Constitució i per les bases per al traspàs dels serveis que els correspondran.
3. La reforma dels Estatus s’ajustarà al procediment que ells mateixos establisquen i requerirà, en qualsevol cas, l’aprovació de les Corts Generals per llei orgànica.

1. Dins els termes de la present Constitució, els Estatuts seran la norma institucional bàsica de cada Comunitat Autònoma, i l'Estat els reconeixerà i els empararà com a part integrant del seu ordenament jurídic.
2. Els Estatuts d'Autonomia hauran de fer constar:
a) La denominació de la Comunitat que s'ajusti millor a la seva identitat històrica.
b) La delimitació del territori.
c) La denominació, l'organització i la seu de les institucions autònomes pròpies.
d) Les competències assumides dins el marc establert per la Constitució i les bases per al traspàs dels serveis que els correspondran.
3. La reforma dels Estatuts s'ajustarà al procediment que ells mateixos estableixin i requerirà, en qualsevol cas, l'aprovació de les Corts Generals per llei orgànica.

1.- Konstituzio honen arabera, Erkidego Autonomo bakoitzeko oinarrizko legeak izango dira Estatutua, eta Estatua bere lege ordenamenduaren zati bat bezala onartu eta zainduko du.
2.- Autonomi Estatutua bete beharko ditu ondorengo baldintzok:
a) Historikoki ondoen dagokion Erkidegoaren izena.
b) Lurraldearen mugatzea.
c) Beren erakunde autonomoen izen antolaketa eta egoitza.
d) Konstituzioaren arabera berega-naturiko, eginkizunak eta betetzeko beharrezko diren zerbitzuen aldaketa egiteko oinarriak.
3.- Estatutuak aldatzeko, bertan jarritako baldintzak bete beharko dira eta nahi eta ezkoa gertatzen da, Gorte Orokorrek onartzea lege organiko baten bidez.

1. Dentro dos termos da presente Constitución os estatutos serán a norma institucional básica de cada comunidade autónoma e o Estado recoñeceraos e ampararaos como parte integrante do seu ordenamento xurídico.
2. Os estatutos de autonomía deberán conter:
a) A denominación da comunidade que mellor lle corresponda á súa identidade histórica.
b) A delimitación do seu territorio.
c) A denominación, organización e sede das institucións autónomas propias.
d) As competencias asumidas dentro do marco establecido na Constitución e as bases para o traspaso dos servicios correspondentes a elas.
3. A reforma dos estatutos axustarase ó procedemento que neles se estableza e requirirá, en todo caso, a aprobación polas Cortes Xerais, mediante lei orgánica.

Português
Artigo 147
1. Dentro dos termos da presente
Constituição, os Estatutos serão a norma institucional básica de cada Comunidade Autônoma e o Estado reconhecê-los-á e ampará-los-á como parte integrante do seu ordenamento jurídico.
2. Os Estatutos de Autonomia deverão conter:
a) denominação da Comunidade que melhor corresponda à sua identidade histórica.
b) delimitação do seu território.
c) denominação, organização e sede das instituições autônomas próprias.
d) as competências assumidas dentro do marco estabelecido na Constituição e as bases para a transferência dos serviços correspondentes a elas.
3. A reforma dos Estatutos ajustar-se-á ao procedimento que neles se estabeleça e requererá, em todo caso, a aprovação pelas Cortes Gerais, mediante lei orgânica.

quinta-feira, outubro 13

197. Vizinhança

Um vizinho que é uma besta-quadrada. Quem não tem um? Ou quem não conhece alguém que o tenha? Sou privilegiado de tal espetáculo: um vizinho besta à sua medida, daqueles que faz barulho depois das 10 da noite num lugar maciçamente residencial, que se encontra no sábado à-tarde no mercado, bêbado e no domingo de manhã lavando o carro; álibi para lavar o vômito dos convidados do festim da madrugada anterior, coagulado pelo chão de cerâmica.

Um vizinho daqueles que até tem uns soldos para dar um jeito na casa, enfim, terminar o acabamento, pôr um telhado; mas o meu vizinho continua investindo no som do seu automóvel, nos faróis-de-milha, nas calotas cromadas enquanto o seu telhado, ou melhor, sua laje continua exposta às intempéries, lambuzada de piche. Volta-e-meia esse egrégio vizinho aparece-me diante, pois sua laje é ao mesmo nível da porta da minha cozinha, onde tem um balcãozinho. Sou obrigado a cumprimentá-lo; lá está ele, com o cigarro dependurado no canto do lábio, de bermuda e camiseta furada com propaganda de tinta, armado dum maçarico e uma manta asfáltica. «É pra tampar o racho… ’tá chovendo dentro do meu quarto… pode isso?». Sorrio sem graça e desço a escada.
Aïnda na laje em frangalhos, há, apoiado em duas muretas, uma caixa d’água de fibra (ou plástico, não sei bem). Primeiramente, quando foi primeiramente instalada, apoiaram-se as extremidades da caixa, que em realidade é um cilindro achatado, e no meio formou-se uma barriga, ou seja, a caixa de 750 litros d’água quase estourou. Arrumaram-se umas tábuas acinzentadas do tempo e carcomidas de algum inseto; puseram-nas sobre as muretas, fazendo uma superfície; mas as pranchas são desiguais e o seu aspecto junto com as muretas sem acabamento nenhum, não ficou dos melhores.
Na verdade, a caixa parece mais uma panela de pressão, não exatamente um cilindro; uma panela de pressão com a boca estreita. Junto dessa boca, fica a entrada do cano alimentador da bóia; cano por sua vez mal vedado e cujo abre-e-fecha da válvula da bóia terminou por minar a junção feita com massa acrílica. O resulta é que hoje de manhã, da janela da minha cozinha, havia um modesto chafariz e um lago. O barulho da água sobre pressão vazando ouviu-se a noite toda, pois começara no pós-merídio de ontem. «Eu não vou avisar esse estúpido», praguejou o meu pai quando percebeu, logo após o almoço; «quem manda ficar fazendo barulho e zoneando até tarde? Que caia toda a água na cabeça dele…». E apesar de todas essas misérias de vazamentos, festinhas, serviços mal-feitos, enquanto eu olhava o espelho-d’água que se formara pelo copioso vazamento, banhado pelo sol fulgente desta manhã, ouvi um contínuo e rápido farfalhar. Um casal de pássaros aproveitava alegremente aquele lago improvisado e banhava-se.


A partir de hoje, as postagens serão numeradas pelas sua ordem natural, sendo esta a de número 197.

Erário Nacional: reforma, feng shui aplicado nos ambientes, maoísmo, como montar uma banda de pagode, como fazer cerveja em casa, dicas para o seu churrasco, como sanar vazamentos.

terça-feira, outubro 11

196. Democracia e literatura


Felizmente são duas coisas incompatíveis. Isso de ficar com afectações politicamente-correctas de fulano, sob tal ponto de vista é bom ou a prosa de beltrano deve ser interpretada sob outro ponto de vista não enriquece nada e ameaça com a entrada de obras pífias no cânone da Literatura, pois queira ou não, cânone literário é uma coisa que aïnda existe (aïnda bem).
Hoje, há-de ter colhões e dizer na cara de quem quer que seja: Você está lendo isso? Eu não forraria a gaiola do meu papagaio com essas páginas...

É o que eu sempre digo: quem se lembrará de Paulo Coelho ou Zíbia Gasparetto daqui a cem anos? Ou melhor, não precisamos ir tão longe; daqui a vinte anos? Defecações pseudo-literárias logo o tempo as varre.

Os mesmos preceitos valem para as defecações de ordem musical.

Certamente haverá quem diga «mas tem boa aceitação entre o público». E quem diz que o público desse païs tem bom-gosto ou bom-senso, ou sequer que leia? Note-se que nosso mercado editorial tem o mesmo tamanho do da Argentina, que é um païs com um sexto da nossa população.

Fiquei curioso de ler algo do Milton Hatoum; falaram-me muito bem dele, um escritor como há vários decênios não se via nessas terras.

Aïnda em tempo: um perigoso palhaço franquista.

Real Esculachadoria Venarda: espiritismo, Allan Kardec, Bezerra de Meneses, Literatura Brasileira, literatura marginal.

domingo, outubro 9

194. Aviso

Sua Alteza encontra-se-á, a partir de amanhã em visita oficial à Espanha, França e Reino Unido para fechar os convênios da negociação do ingresso da Venárdia na União Européia. Retorno previsto para a semana próxima.

Saudações.

193. A Europa começará em Istambul


Més lluny, sempre aneu més lluny,
més lluny de l’avui [...]

(L. Llach)


Bem, eu não sou europeu, mas visto que o nosso projecto comunitário está quase falido por testardia do gover Argentina, tem me chamado a atenção a aceitação da candidatura da Turquia à União Européia. Chamou-me aïnda mais a atenção pelo destaque dado pelo Estado de hoje e o texto coeso e sensato historiador britânico Timothy Garton Ash. Tiro minas opiniões pessoais: caso a Turquia seja de facto aceita na UE, será um exemplo a ser seguido pelos demais païses muçulmanos: um estado laico e convivência harmoniosa com o Ocidente.
A Turquia pede há quarenta anos o ingresso na UE; mas acredito que essa vontade vem desde quando a UE sequer equer existia; o que Mustafá Kemal Atatürk (Atatürk, o pai dos turcos) almejava com a laicização, o banimento de costumes muçulmanos extremados e a adoção do alfabeto latino para a língua turca (noves-fora, muito mais coerente para o idioma) era justamente a inclusão da Turquia no Ocidente, na Europa, e é inegável que os frutos dessa ocidentalização são lustrosos e visivelmente saborosos: mesmo durante o Ramadã, é possível ver, enquanto os alto-falantes clamam pelos fiéis a orar, pessoas almoçando tranqüilamente ao meio-dia. O islamismo turco é tal qual o catolicismo na Europa Ocidental: existe, mas não se mistura com o Estado, a plena separação entre poder religioso e temporal. A Turquia é um exemplo para o Mundo Muçulmano, e enquanto a estátua de Atatürk que existe em Istambul continuar a olhar em direção à Europa, existem grandes e promissoras possibilidades do païs ingressar no bloco.

Real Escritório de Estatística: Valéry Giscard d’Estaing, Tratado de Roma, critérios de Copenhagem, tratado de Maastricht, Bósforo e Dardanelos, Império Otomano, Recep Tayyip Erdogan, genocídio armênio.

sábado, outubro 8

192. Sentidos

(extraïdo dum certo diário)

«Que feliç era, mare!,
que feliç era jo!»
(Que feliç era, mare. Lluís Llach)

O sentido perdeu-se. Nada mais tem coerência, são peças soltas e dispersas. A vida é uma cidade planejada por um cirurgião, linhas tortas e ruas mal-traçadas, tortuosas, e a gente dispersa por ela, agarrada a postes e crendo que a sua rua é a melhor e única existente, até que se lhe rompa um cano, caia um cabo dos postes; nada sob o céu faz sentido; o sentido esfarinha-se sob a força das mãos como o ferro consumido pelo ar e pela força dos anos. O sentido é tão denso quanto uma nuvem; às vezes se acumula tanto no horizonte que causa tempestades, sentidos chocando-se e eis os raios, os atritos. Mas dum instante para o outro chove e se dissipam: o céu sem sentido algum, sem o sentido forçoso e fatídico que lhe atribuem, já que o sentido original e natural se foi, cria-se-lhe à força, vazio e móvel, como vidros jogados na água, que apesar de se fazerem invisíveis, cortam e decepam a mão desavisada que se lhes interpõe. São sentidos obrigatórios e claustrofóbicos, sentidos sociais de sapatos e colete e um bom emprego de dois mil reais, de assistir novela e deixar-se influenciar pela Imprensa.
Sentidos que cansam, fazem cansar, criam a Humanidade que dorme cinco horas por noite e vive de café e desaforos; o sentido obrigatório da Humanidade, coveira e algoz de si mesma, que colecciona o argento para que lhe refulja a sepultura; os dentes dos famintos que não têm sentido, e que sentido têm os nossos empregos e os nossos individualismos? Viver de contas, comida e preocupaçõezinhas? Que vida? Que sentido?

L’inutilitat del temps i de l’espai - Procurar coisas que tenham sentido é uma grande perda de tempo, mas também o tempo é desprovido de sentido. Fora que, o que é o tempo, senão uma sensação psíquica abstrata simbolicamente representada pelo girar dos ponteiros dos relógios? O que marca o tempo é o deslocamento feito por coisas e objetos ou pessoas (que não deixam de ser matéria inanimada devidamente ordenada de modo a ter autonomia). Nada é imediato, por mais estúpido que seja, consome tempo; para executar acções há o desgaste físico: esse é o sinal do tempo. Um trilho de trem gasto indica que muitos comboios esmerilharam-no; o que é impossível de ser feito num só momento, muitas viagens foram necessárias para desgastá-lo. Considerandoi que o movimento dos trens sobre os trilhos é intermitente, deduz-se que tal desgaste demore muito. É o sinal físico do tempo. E assim é com tudo: a madeira que seca sob a acção das intempéries e esfarinha-se, os lápis que se consomem, o asfalto que esfarela e esburaca, o azinhavre que recobre o cobre das cúpulas das igrejas, o plástico que se faz quebradiço e farelento, a pele humana que enruga sobre a carne e os músculos que se debilitam. Os signos violentos e sádicos do tempo. A lei da fadiga dos materiais, à qual nós, seres humanos não nos conseguimos abstraïr, mesmo com toda nossa consciência.
O sentido de tudo o que é humano é passageiro: o que hoje é de vital importância, amanhã é nada, motivo de riso e escárnio; e hoje causa pranto e suor, amanhã receberá desprezo e escarradas, lixo inútil.
Mas a gente não percebe que todo afã e todo sofrimento é inútil, toda mesquinharia e glória menor e fátua será coroada com as coroas feitas dos seus próprios ossos, perdidas na escuridão e no ostracismo húmido dos sepulcros. Vãs vaidades. A carne de todos será o deleite dos vermes e tudo quanto que consideramos tão belo terminará tendo por tribunal o estômago imparcial e democrático dos necrófagos; idem o nosso cérebro, que nos põe não muito além, como animais pensantes, se fará em guisado putrefeito para os decompositores.
E tudo se perderá no tempo: aflições, sorrisos protocolares, mal-estares, conhecimento. O tempo nada perdoa, é inclemente. Veremos até quando sobreviverão os octetos numéricos, as línguas; o papel é já notório que está eternamente condenado a um lento e certo processo de ustulação, de combustão que ao cabo do tempo necessário será transformado em lixo imprestável.
Por isso, nada se justifica e nada faz sentido qualquer.

sexta-feira, outubro 7

By appointment of H.R.H., the Prince of Venardia

O Certificado Venardo é uma honraria com a qual se sinaliza páginas e produções de internet dignas de mérito, então, by appointment of His Royal Higness, the Prince of Venardia, ou nas cores locais, per indicació de la Seva Altesa Reial, el Príncep de la Venardia, ou ainda, por indicação de Sua Alteza Real, o Príncipe da Venárdia, veja-se:

Changeman traduzido.

A animação é antiga, mas é extremamente engraçada. Godete.

quarta-feira, outubro 5

Paulistânia

A ladeira General Carneiro, em algum ano antes de 1968.

I.
Manhã nublada. Pela milésima vez no ano, subo a General Carneiro, observo como de costume, o pontilhão da rua Boa Vista, o Tribunal de Alçada Cível e outros prédios já há muito familiares à minha vista. Galgo o pavimento de mosaico português branco intercalado com algum tipo de pedra de formação vulcânica – talvez Danilo, um amigo que cursa Geologia, possa elucidá-lo melhor; passadas rápidas, como sempre. Os ambulantes de ambos os lados e aïnda formando uma ilha no meio, dividindo a ladeira em duas passagens. Meias, discos evangélicos, música horríssona, toucas, biscoito de polvilho e tantas outras coisas. «Tapioca fresquinha!», como grita a mulher rechonchuda, só que de modo bem peculiar, como se fosse uma só palavra, com acento tônico sobre a primeira sílaba: tá-piocafresquinha. É quase impossível de falar, e também quase impossível de entender; só consegui reconhecer os sons depois de ter passado e escutado algumas vezes, aïnda não gravei a façanha fonética por mera distração, afinal, é para tal que servem os gravadores.
E como todo santo dia útil, subo a ladeira do caos; com a mão direita dentro do bolso da calça e a esquerda junto da alça da bolsa à tiracolo. Talvez eu cantarolasse algo a bocca chiusa, quase certo que fosse País petit ou El cant dels ocells; distraïdo, mirava os trólebus que graciosamente passavam pelo viaduto, para ganhar a Líbero Badaró, quando senti uma mão no meu antebraço, já quase junto do cotovelo; só que ando tão dopado de sono, que demorei alguns segundos para me virar e tomar ciência do que estava ocorrendo. No meio-tempo, a mão me apertava o braço aïnda mais e me puxava para baixo. Me passou na cabeça que era brincadeira de algum conhecido, que me encontrara ali, num lugar tão improvável; para minha surpresa, quando me virei, era uma moça, semi-curvada, como estivesse se esforçando. Aïnda segurando o meu braço, ergueu-se com um riso de susto. Aí sim, olhei-a aïnda ausente.
— Ai, ’cê me desculpa, he, he, é qu’eu virei o pé e por pouco não m’estatelo no chão. Essas calçadas, cada dia piores; eu virei o pé, enganchei o salto em algum buraco, você me desculpa, viu?
Tudo isso foi dito muito rapidamente e entre sorrisos, então, ela soltou meu braço e eu percebi o que tinha acontecido. Pràticamente não havíamos nem parado de andar, somente uma pequena redução de velocidade. Era uma moça bela, dentro dos padrões normais.
— Machucou? – perguntei voltando lentamente à realidade.
— Não; acho que não. Foi mais o susto e a torção. Não foi muita coisa, mas quase fui prò chão. Hoj’é dia: ali atrás, uma outra moça também tomou um tropicão e quase caiu também.
— É… essas calçadas são traiçoeiras… mas não machucou mesmo?
Olhei para os seus pés e vi que no pé esquerdo, o dedão estava levemente esfolado.
— Não, po’ deixar, não foi nada. ’Brigado, viu. E desculpa. – Aïnda com o rosto virado e sorridente de susto, fez-me um aceno de mão.
— ’Magina, não-tem-de-quê. Até mais.
Ela começou a tomar distância e sumir por entre a multidão, num passo rápido e destro, seguro e belo. Como ela pôde cair? Então consegui sair totalmente da letargia: percebi o quanto estava cansado, que minhas pernas é que me levavam e que sequer eu me assustara com o ocorrido há alguns segundos.

II.
Antes de chegar ao escritório, passei na farmácia, atrás dum daqueles benditos fitoterápicos. Optei pelo guaraná, Paullinia cupana 550mg, segundo a caixa e a bula. A farmácia acabara de abrir e solo emanava até desde as caixas nas prateleiras. Uma moça de guarda-pó circulava ausente e sonolenta em revista pelas prateleiras, nem percebera a minha presença. Juntei-me ao caixa e tive de esperar alguns instantes até ser notado. Entreguei-lhe a caixa do guaraná e resmunguei um bom-dia. Ela resmungou outro.
— Treze e noventa.
Tirei vinte reais do bolso, duas notas de dez (como essas notas são feias). Enquanto tirava as notas das profundezas do meu bolso mais-que-caótico. Eu estava em estado-de-espera e só duas coisas pesavam-me na cabeça, a trilha sonora era Libertad, libertad, Orientales! e que certamente a mocinha colocaria a caixinha de guaraná no maldito pacote de papel do complexo 46, da Almeida Prado, com um imenso 46 abóbora e de-sob, escrito em verde, prisão de ventre. Quando eu era menor, achava que o Complexo 46 fosse alguma coisa da mesma espécie do MI-6, da CIA ou da KGB, ou seja, uma agência de espionagem e contra-espionagem. Os agentes do Complexo 46 estarïam espalhados por todo o Orbe, investigando tudo e todos, nos mínimos detalhes, disfarçado de abajur ou de fruta de cera. Mal concluí o raciocínio, estava diante de mim o troco e a caixa de guaraná devidamente embalada num cartucho de papel com a propaganda do complexo 46.

Real Comissão de Geografia, História e Jardinagem: Fitoterapia, Ginko biloba, acidentes de tráfego, como fazer um coquetel Molotov, homeopatia, música catalã, hino nacional uruguaio, camelôs, centro de São Paulo, a mulher da tapioca, canibais africano, situação no complexo Anchieta-Imigrantes.

terça-feira, outubro 4

O porquê do sim

Deixo por alguns instantes as contínuas blagues que têm orientado este blogue, por uma questão de relativa importância. O texto abaixo é uma miscelânea de conversas ao vivo e comentários nos blogues por aí.

Os debates têm se acalorado em torno da questão do referendo sobre o desarmamento. Encontrei textos sobre o assunto em alguns blogues e no do Orlando, martelei um pouco as minhas opiniões. Então, aproveito o ensejo e as publico aqui, porque sou a favor da aprovação do Estatuto do Desarmamento.
Os partidários do não estão usando argumentos extremamente clichezados: o direito à defesa é o mais usado. Na diatribe do blogue do Orlando, foi dito que os «bandidos» terïam tentão certeza plena que poderïam entrar em qualquer casa sem temer retaliações. E já não o fazem hoje? Uma arma na mão da vítima é sua própria sentença de morte; as pessoas em situações de pressão ficam apavoradas e fáceis de serem subjugadas pelos meliantes, eles conhecem as nossas reações básicas e se sonharem que você está pensando em sacar da arma, fuzilam-lhe.
É ingênuo pensar que uma arma possa defendê-lo. Recentemente, recebi umas peças publicitárias por correio eletrônico, inclusive sem identificação de quem as terïa feito, defendendo o porte de arma com motivos-chavão. Absolutamente revoltante.
Certa feita, Orlando me disse que um carro também mata gente e as pessoas tem habilitação: argumentei que são duas coisas absolutamente diversas, pois um carro pode sim matar, mas sua intenção, a intenção com a qual foi feito o objeto não é de matar, o carro anda, transporta. E a arma? Nas melhores das intenções, ela foi feita para ferir; ninguém compra armas com a intenção de ficar atirando em latas ou garrafas, a própria intenção do objeto (permitam-me essa categorização) é de ferir.
Acreditando-se que o referendo é populista, como já vi sendo tachado, ou dilapidação inútil do erário público é prova que o brasileiro aïnda é um povo mal-adaptado com a democracia, visto que em qualquer outro período da História do nosso païs, serïa posto e pronto. A questão é polêmica e é justo que seja submetida à consulta popular, como outros assuntos devem ser postos também.
Propala-se com galardões o simples direito de ter a arma. Pergunto: que direito é esse, que um exercendo, cerceia o do outro? Se são as pessoas e não as armas que matam as pessoas, conforme citação feita a partir de cartaz colado em uma loja de armamento americano, lembremos que os Estados-Unidos é o païs onde psicopatas (até então pacíficos) entram com metralhadoras dentro das suas salas de aula e executam os colegas. E nós não somos os Estados-Unidos.
É a lei do mais forte. Muitas brigas de trânsito, discussões de boteco e rixas amorosas que poderïam ter acabado no máximo nuns tabefes, terminaram em tragédia; o homem é um animal que pensa e remói, age por impulso e sangue quente, usa a arma, mas depois de morto o adversário, o pranto não o trará de volta. A morte é irreversível, a lei sim. Podemos escolher.
E as crianças que morrem em casa, por acidentes domésticos? Embora essa Frente Parlamentar do Direito à Defesa não diga nada sobre, o índice desses acidentes no Brasil é muito alto, e quase sempre fatal.
Fico tranqüilo, pois tenho quase certeza que a aprovação passará. Pela quarta vez, serei mesário, e pela primeira vez, irei com a consciência que estarei sim prestando um serviço para o meu païs e para o meu povo, somos nós que diremos sim ou não, será a vox populi, vox Dei. Chegamos num ponto onde manter a legislação como está é uma estupidez e mudá-la também é; estupidez por estupidez, fico com a mais coerente. Os descontentes podem mudar-se para a Argentina ao término do referendo.

Agora, espero as vossas pauladas.

Pro-Juventute Venarda: munição, parlamentares corruptos, bancada da bala, lobby da indústria de armamentos, violência doméstica, violência urbana.

segunda-feira, outubro 3

Massa falida de um pseudo-tratado

Parte inicial de um tratado cujo projeto, além de inútil, naufragou.

De mediocritatis intra homines paulistanos

Proêmio: Io mi sto in cittade

Venho a vós, possíveis leitores, trazer-vos uma pequena coletânea do ser humano. Embora tenha eu fixado-me sobre a cidade de São Paulo, o conteúdo deste presente pretenso tratado, ou até, apropriando-me de Machiavelli, desse ghiribizzo, trata sobre facetas do comportamento humano. Não me venham os psicólogos e sociólogos moer-me a pauladas: uma porque se trata de descrição superficial, outra porque sinceramente desprezo-os.
A intenção caminha junto com os preceitos de Machiavelli – perdoem-me a falta de modéstia, creio que o compêndio responderá por si – de observar a realidade e não dar nenhum tipo de receituário comportamental ou fenomenológico; não direi, em hipótese alguma, preceitos ou indicarei ou preconizarei comportamentos, não tenho animus necandi nem venho com o fumus boni juris. Direi o que vejo.
Direi o que vejo, como é essa parcela da Humanidade, que a resume completamente, visto que todos os comportamentos humanos cá são encontrados. Imagino que qualquer um de vós dirá, «mas isso se vê em qualquer vilarejo, será então um espelho da condição humana»; mas eu vos respondo, que as grandes cidades são mais propícias a essas observações do tipo humano e sua caracterização, são os mesmos dos vilarejos de Província sim, mas na grande urbe, pode ser analisado o mesmo processo ou fato sob diversas origens; ao invés de observarmos um só indivíduo representante de tal ou qual fenômeno, podemos ver alguns casos e compará-los nas suas variantes, dar hipóteses diversas.
Afinal, a convivência urbana não pode ser considerada como externa ou antinatural ao ser humano, visto que completamos já quase nove milênios e meio desde a fundação de Jericó e de Çatal Hüyük, primeiros núcleos habitacionais dos quais se têm notícia e que, segundo pesquisas e estimativas, Çatal Hüyük chegou a contar com cerca de 10 mil habitantes. Desde então, a Civilização organizou-se a instituição citadina como fundamento; as Cidades-Estado gregas que talvez tenha sido a consolidação do sistema civilizatório urbano; Roma, uma cidade que se expandiu pela Europa Mediterrânea, deu seu nome a todo um império e fez a sua língua, língua dos pastores do Septimôntio, a língua de cidades distantes.
Apesar do Cardo e do Decúmano, nós, netos (ou filhos) dos Romanos, não tivemos muito da sua organização urbana em São Paulo; tendo sido fundada nossa cidade pelos Jesuítas e relegada, muito tempo ao papel tão-somente da catequese dos índios, sem quase alguma importância econômica, o traçado urbano estendeu-se ad libitum, de acordo com as necessidades; heranças coloniais. Uma cidade que, quando da explosão demográfica cresceu sem parâmetro algum e deu-nos esse actual estado de coisas.
Toda essa irregularidade demonstrar-se-á na particularidade dos tipos humanos e no viver civil dos paulistanos, tão particular e representativo, ao mesmo tempo, embora contraditório, da humana estirpe. Mostrar o ponto absurdo da mediocridade na qual o gênero humano está chafurdado, e; seguindo a linha de pensamento de Giambattista Vico, pode-se dizer que seus ciclos civilizatórios estão a cumprir-se: a idade dos deuses, a idade dos homens e o bestião. Dessa vez, o nosso desenvolvimento tecnológico, algo que nos se apresentava como a panacéia universal, é mal usada, e sendo mal usada, causa trouxe-nos a cisão do conhecimento (a especialização absurda e industrial), a massificação do consumo, a maior vilã contra a Humanidade, a mesma massificação que jogou a maioria do povo desta cidade – e porque não do mundo – na abissal futilidade, na voluntária ignorância, na credulidade absurda, ou nas ciências argentárias, tecnológicas ou ainda na pseudo-religião que afunda seus tentáculos santarrões pelas massas.
Esses são assuntos que pretendo desenvolver ao decorrer desse opúsculo ingrato; esperando então, que o ele seja-vos útil, ou ao menos elucidativo, vista a riqueza de aspectos sobre os quais ele pretende divagar.