sexta-feira, agosto 11

341. Diário de viagem de Belgrano (II)

Da península Antártica a Bahía Blanca

Belgrano apareceu de improviso em São Paulo no último 30 de julho e, portanto, há-de relatar-se o seu caminho da península Antártica até São Paulo. «Você será responsável pela atualização do meu diário, Venardi» informou-me o simpaticamente temperamental pingüim, «haja vista que não tenho mãos para segurar as canetas, então, gravo os relatos no meu mp3 player e lhos mando via internet... você só terá de transcrevê-los».
Belgrano é nascido em Ushuaia, hispanofalante e portador de passaporte argentino. Dono dum castelhano de fazer inveja a Cervantes, mas também falante de um português digno de Machado de Assis; e ele tem suas explicações para tal façanha: «Já disse Borges que, o português é uma variante do espanhol... ou vice-versa». Mas saindo das questões lingüísticas do nosso amigo, vamos relatar o período desde sua saída da península Antártica até São Paulo. Belgrano conheceu na Base Esperanza, um argentino de Buenos Aires que saía eventualmente da base para coletar umas pedras; Belgrano passou a segui-lo e conquistou sua simpatia e volta e meia, dava a Belgrano algo de comer; e deu a Belgrano ainda o nome que porta consigo hoje: «É o nome de um prócere e, você como um pingüim da Antártida Argentina, merece um nome digno», disse-lhe o Argentino, que era biólogo, incutindo assim o sentimento nacional no pingüim. Belgrano tornou-se argentino e aprendeu castelhano seguindo o biólogo onde quer que ele fosse, principalmente se estava acompanhado. O dito argentino, quando não estava acompanhado, estava de fones, escutando música, e Belgrano impressionou-se muito com uma que dizia «Caminante, no hay camino, se hace camino al andar». Gostou tanto que acabou por roubar o walkman do argentino com a fita dentro. «Belgrano, que coisa! Você roubou o walkman do biólogo?», perguntei admirado. «A nós, animais são permitidas coisas que vocês humanos proibem a si mesmos de fazer, como esse empréstimo compulsório e inadvertido. Se um de vocês rouba algo, na melhor das hipóteses apanham, como acontece com alguns que são pegos furtando em supermercados... já li a respeito nos jornais. E nós, com o salvoconduto que somos irracionais, pegamos o que nos apetece e ainda acham bonitinho... como acontece nos parques: "olha, que gracinha o macaquinho, puxou-me o sanduíche sas mãos" ou "olha que maritaca esperta" à maritaca que enfia sua cabeça verde dentro do saquinho seboso de pipocas murchas. Vocês nunca foram livres como nós somos, apesar das adversidades da Natureza, às quais estamos mais expostos que vocês». Belgrano explica ainda que aprendeu o riscado num livro que chegou boiando à praia: «Nas nossas praias austrais, tudo que bóia aos naufrágios vai lá parar» e diz que certa vez, chegou boiando um livro sobre comportamento animal. Interessou-lhe particularmente, como me disse, os relatos sobre a pega. «É uma ave muito esperta... e eu como ave também, resolvi seguir-lhe o exemplo».
E dessa maneira, Belgrano, agora batizado e detentor de uma nacionalidade, conseguiu, pelo método da pega, juntar um cabedal de objetos, os quais mantinha escondidos numa gruta de gelo. Objetos de todo o tipo que o ajudaram a montar a bagagem para a longa viagem que começaria a empreender em breve, muito embora não soubesse ainda.
Da península à Ushuaia, na Terra do Fogo, Belgrano fez a nado, volta e meia vendo a morte dos cabelos cacheados sobre as ondas. Chegado a Terra do Fogo argentina, viu que precisaria duns papéis impressos de diversas cores e uns discos de metal gravados. «Vi que vocês usavam aquilo para tudo, e que deveria ser muito importante; e não tinha nada parecido com aquilo comigo». Usando das faculdades aprendidas à pega do livro, o nosso caro pingüim puxou da carteira de um velhinho para ver os benditos papeis: «Era bonito e tinha números impressos, e cores diferentes... era o bendito do dinheiro, do qual eu só tinha conhecimentos abstratos... inclusive vi o meu homônimo na nota de 10 pesos...» de posse de umas dezenas de pesos, enfiou-se num caminhão de galinhas que ia para Bahía Blanca. A Belgrano não lhe aprouve a companhia de viagem. «Galinhas são animais limitados e repetitivos. Não se consegue manter um diálogo com elas que dure mais de uns tantos segundos, fora de só falam de milho e duma luz que as acompanhou durante toda sua vida até ali - imagino que sejam as lâmpadas que põe nas granjas. E eram galinhas poedeiras de cerca de um ano... o que para elas é já a senectude absoluta». O trajeto até Bahía Blanca teria sido ótimo se não fosse pelos cacarejos intermitentes, as galinhas simplesmente não se calavam. «Foram horas de tortura».

Continua...

1 Comentários:

Blogger Jeferson Ferreira disse...

você é uma velha! De qualquer forma, coloco seu nome... Espero que mude de idéia.

sexta-feira, agosto 11, 2006 12:52:00 da tarde  

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