sexta-feira, março 31

286. 1964 – «Caminhando e cantando»

Na madrugada de 31 de março para 1.º de abril de 1964, o Brasil teve a sua democracia eclipsada pelo putsch dos Militares: a chamada, até alguns anos atrás (e por alguns ainda) de Revolução de 1964. A intenção dos Militares – pelo menos da ala mais moderada, da qual fez parte Castello Branco – era somente afastar João Goulart – presidente eleito por voto direto como vice-presidente (1) e empossado em substituição a Jânio Quadros, que renunciara – e logo entregar novamente o Governo aos Civis, tendo em consideração que para 1965 estavam marcadas as eleições presidenciais.
A linha-dura do Exército protelou as eleições, fez uma nova Constituição em 1967 – em substituição à de 1946 – dando base jurídica e de direito para o Regime Militar, dando ao país um aspecto de democracia indireta, pois continuamos a eleger os membros do Legislativo; mas a escolha do Presidente, eleito pelo chamado Colégio Eleitoral, composto pelos membros do Legislativo, era, como bem se sabe, um jogo de cartas marcadas. É justamente isso que caracteriza o período mais como um regime autoritário do que uma ditadura, pois houve rotatividade no poder, não foi o governo de um homem só, foram cinco presidentes militares, entre 1964 e 1985 que se sucederam no poder: Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.
Não houve, logo após o começo do movimento, contra-golpe como se temia. O Presidente Goulart, auxiliado pelo cunhado e Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, voou para o Uruguai. Um contra-golpe naquela ocasião poderia ter desencadeado um começo de guerra civil, levando em conta que houve divisões do Exército que hesitaram em aderir ao golpe ou manterem-se fiéis ao Governo Eleito. Goulart disse aos oficiais que o consultaram, para que não resistissem, pois seria um derramamento inútil de sangue. Além do mais, havia tropas estadunidenses “em prontidão”, boiando no Atlântico, próximo ao Nordeste; os EUA, se não fomentaram diretamente o golpe, ajudaram um pouquinho e ficaram bem contentes com o resultado e com desenrolar dos acontecimentos.
Houve movimento de tropas pelos golpistas de modo preventivo somente; uma divisão de blindados circulou pelo centro de São Paulo na manhã do 1.º de abril.
Os 20 anos de Regime Militar foram péssimos para o país em inúmeros aspectos: forçou as pessoas à alienação, criou uma cultura do medo que até hoje perdura, manteve uma política econômica que fez com que o país crescesse, mas nos legou uma dívida externa que até hoje tentamos pagar, matou e perseguiu opositores, em suma, tudo o que faz uma ditadura.
Hoje, 31 de março de 2006, 42 anos depois do golpe, e 20 do seu fim, os escroques e vermes do Regime, que com ele surgiram, como larvas na carniça, continuam aí, apodrecendo a nossa débil democracia. Embora, os que se opunham ao Regime também muito desapontam como o PSDB, o PMDB e, notoriamente o PT. O pior é saber dos chucros espalhados por aí, que ainda têm coragem de esboçar uma pretensa defesa de algo indefensável.

I
Quando estive em Presidente Prudente a trabalho, fiquei num hotel onde encontrei um tipo desses que defendem o Regime Militar, daqueles tipos jactanciosos e empolados que diziam viver melhor naqueles anos 1970. Tive uma pouco agradável tertúlia com o elemento no saguão do hotel e ele terminou por me chamar de agitador comunista. Evidente que, discretamente agradeci a menção e mandei-o plantar batatas, pois posso não ter vivido o período, mas sei que não foram flores, como insistem alguns.

II
Lembra-me do pai duma amiga, que saiu para trabalhar na esplendorosa manhã de 1.º de abril de 1964 e, nas ruas do Centro, estranhou a quase ausência de movimento – num lugar notoriamente movimentado – e quando foi atravessar a avenida São João, notou que havia um tanque parado sobre a faixa de pedestres. Evidente que dali, ele deu meia-volta.

III
E os tempos que no meio de qualquer seção noticiosa do Estado de São Paulo, fosse de política nacional, economia, qualquer; se houvesse algo censurado, a redação simplesmente punha receitas no buraco causado pela ausência da notícia tesourada pelos censores, que costumavam inclusive instalar nas redações dos jornais e das emissoras de rádio, como se fossem um funcionário contratado.

(1) Até 1964, ao contrário de hoje, votava-se para Presidente e Vice-Presidente da República separadamente.

quinta-feira, março 30

285. A impotência do voto

Desde que me conheço como unidade independente e consciente - ou seja, meados de 1985, quando eu tinha um porquinho de plástico amarelo e uma moeda de duzentos cruzeiros dentro dele – meu pai escrevia nas cédulas eleitorais, nos bons tempos em que existiam cédulas de papel, urnas e canetas para o exercício do voto, a urna eletrônica cerceia-nos, e ele dizia: «O voto não pode ser obrigatório»; com isso, obviamente, terminava por anular o voto. Ele sempre dizia isso em casa e, certa vez, eu já maior – idos de 1990, 1991 – perguntei o porquê da decisão aparentemente insensata. «Não há em quem votar, são todos uns ladrões de marca maior!». Cresci, e quando entrei no colégio técnico – ora, eu sou do proletariado, era óbvio que pensei no colégio técnico como uma opção de formação – me tornei a própria esquerda destrambelhada, aquela que acredita que há ainda uma revolução por fazer - visto que a minha experiência política anterior, prefiro omiti-la – e todos aqueles delírios esquerdistas. Mas apesar de tudo, mantinha a compostura: nunca sai pelos corredores de ladrilho hidráulico do colégio tentando pôr a Revolução pelo grito, sempre fui externamente tranqüilo, duma bonomia de fachada, mas sempre discutia algo com os meus acéfalos colegas.

Como éramos da área de Construção Civil – fazíamos Edificações – havia na sala os sequazes do Paulo Maluf, o prefeito engenheiro e emérito corrupto. Lembro-me muito dum colega, notório justamente pelo pensamento estreito e pela sua solida estupidez, declarou para meu horror, perante a classe toda numa aula de laboratório: «Eu vou votar no Maluf, ele na Prefeitura ou no Governo do Estado é emprego garantido para nós!». Evidente que diante de meia sala boquiaberta e outra exultante, tive de subir ao rostro e começar uma ameaça de catilinária. Primeiro referi-me às tramóias no orçamento municipal – que até hoje se encontra problemático e com dívidas para pagar pelos próximos 15 anos – e depois da sólida xilocefalia do Maluf (cara-de-pau mesmo, mas eu tinha de pôr limites ao meu néscio adversário e lancei mão dessa pequena artimanha oratória). Desarmado, ele chamou-me de idiota e eu, em resposta, fale que ele só pensava nos seus interesses particulares, tanto como o Maluf e a classe política então no Governo Federal e Estadual (os tucanos social-democratas): «É, seu imbecil, vai e vota no Maluf, besta quadrada! É sempre assim, né? Capitalismo pra mim e socialismo no rabo dos outros, né? Múmia escarnada!» E aquela justificativa porca do «rouba mais faz»; lembro-me duns tabelões publicitários nos quais havia a face do referido Maluf, junto duns dizeres: «Paulo para o bem de São Paulo»; e uma vil mão anônima revisora, na calada da madrugada, completou corretamente o anúncio político: «Paulo para o bem de Paulo», com uma lata de tinta automotiva preta, apagaram o São de São Paulo, além de terem desenhado um belo par de chifres demoníacos e um voluteante cavanhaque, obra realmente de artista. Com o meu néscio colega de classe, acabamos por nos hostilizar o resto do curso e não perdíamos a chance de alfinetarmo-nos. E assim foi. Eu era ardoroso defensor da esquerda, me dizia comunista e que viesse o Doi-Codi pregar-me à parede! E defendia comedidamente o Partido dos Trabalhadores, do qual fui eleitor e quase filiado; fora que até então, seus membros eram todos sem uma mácula nos seus passados de homens públicos.

Em casa também, volta e meia eu fazia apologia a algum notável da Esquerda – como o senador Eduardo Suplicy, um dos poucos a quem ainda tenho algum respeito – e meu pai, baseado na sua concepção pragmática da vida política, dizia-me: «um dia, quando você for votar… ou depois de algumas eleições, você vai se lembrar bem do que eu digo».

No final do Colégio, atingi a idade que pela Carta Magna da nossa República, dá-nos o direito – e dever – do voto. E a minha primeira incursão como cidadão com direito a voto, não veio só: veio junto também a honra – a obrigação, imposta com ameaça de detenção – de ser convocado pela Justiça Eleitoral para compor mesa receptora de votos. Primeiro voto nas eleições municipais: PT para a Prefeitura e PC do B para a Câmara dos Vereadores. Confesso que a administração Marta Suplicy não me decepcionou, principalmente comparando com a administração atual.

Depois, dois anos depois, vieram as eleições gerais: fui de novo de vermelho, ajudando a eleger nosso atual primeiro mandatário e para o Parlamento e Assembléia Legislativa, foice e martelo novamente. Lembro-me de ter assistido toda a posse do Presidente da República, transmitida pela televisão, até ri quando a faixa presidencial enroscou nos óculos do Fernando Henrique. Havia algo no ar, uma esperança difusa. Pela primeira vez, eu conseguia largar o meu funesto pessimismo e deixei-me acreditar que aquele Governo seria diferente, eu e todo o eleitorado que votáramos no Lula, que fora torneiro-mecânico, líder sindical preso pela Ditadura, político que tínhamos na conta dos mais decentes, apesar dos seus adversários plantarem insidiosos comentários – que já não se sabem bem que os formulou – que o tachavam de inapto para o Governo pela sua pouca instrução. Nisso ainda defendo o Presidente Lula; pois tivemos um sociólogo presidente que entregou as empresas estatais para a iniciativa privada estrangeira de mão-beijada. E não é só a minha opinião, tanto que existe um termo, usado inclusive, durante certo tempo, pela imprensa: a privataria.

Os três anos e três meses de Governo Lula foram decepcionantes: além do imobilismo, que o transformou num terceiro Governo Fernando Henrique, as denúncias de corrupção assustaram-me muito, ainda mais vinda de quem vem, gente que sempre se teve em boa consideração. O Presidente continua a brincar de cabra-cega, que não viu nada, que não sabia de nada – o que eu nem duvido que seja verdade, mas cobro que ele havia de ter agido com pulso firme, e não o fez.

Tenho de admitir hoje, que meu pai está coberto de razão, já com anos de precedência. A nossa classe política é toda corrupta e viciada, sem salvação praticamente. Quem não segue a cartilha do enche-bolso, segue a do privatismo escancarado e sem-pudor, o que nem sempre é benéfico, ainda mais no caso brasileiro.

Com a proximidade das eleições, tenho estado muito alarmado: um segundo possível Governo Lula é a mesma coisa de agora e serão oito anos de estagnação enlameada. E a possibilidade palpável da volta triunfante dos tucanos, na pessoa do atual Governador Geraldo Alckmin assusta-me ainda mais. Os outros possíveis candidatos são o restolho: o ridículo e absurdo ex-Governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, o endêmico e hirsuto Dr. Enéas Carneiro – espanta-me muito em saber que ele é cardiologista, ai dos pacientes! – e aquela migalha dos candidatos dos partidos-anão. Traduzindo em miúdos: chegamos ao apático cenário da absoluta falta de opção. O que fora apregoado até agora – e continua sendo – como nossa única arma e direito legítimo: o voto, caiu na absoluta inutilidade; é uma realidade, o voto é inútil, inútil e impotente. Não prego de pegar em armas e sair destruindo as coisas como opção, Deus me livre!, que sou amante da paz e da ordem como um bom preguiçoso de esquerda e, fora que o nosso ainda mais apático povo não tem tal capacidade de organização. Parafraseio Almada-Negreiros: uma nação é feita pelas virtudes e pelos vícios, avante, brasileiros, só nos faltam as virtudes!

Peço que vocês, meus leitores, considerem: não só a Ditadura faliu como modelo de governo, e ótimo que assim tenha sido, mas temos uma democracia morta-viva: o voto é uma instituição impotente. Será somente o referendo do pacto de governabilidade, desde sempre acertado pelas elites políticas e econômicas, que é sempre aceito, escolha-se o candidato que se escolher.

terça-feira, março 28

284. Trechos de fragmentos inconclusos

«Do saguão, pego o corredor à direita do elevador, mas tenho cuidado, pois os tacos do saguão e alguns do corredor estão soltos e soltam-se às passadas mais fortes. O intendente quase quebrou o nariz há algum tempo, pois veio trabalhar bêbado – noves-fora, mas ele vive bêbado – e tendo vindo à minha sala, deu-me uns levantamentos vindos da região de Póvoa Branca; como gosta de literatura, contei-lhe, por anedota, uma história do Decameron, aquela do cozinheiro e da coxa de grou, e saiu, quando saiu, dando fortes espalmadas e rindo-se bem alto, enfiou o bico do sapato no chão de taco, fazendo a peça de madeira espirrar-se, e esparramou-se o intendente pelo chão; e como aos embriagados lhes despovoam os reflexos, ele não teve tempo de esticar os braços, o que reduziria a queda a somente uma posição napoleônica, mas não, os seus braços não responderam adequadamente – ou o seu braço direito tentou apoiar-se a parede – e no final, o egrégio e digníssimo intendente caiu-se de cara no chão, batendo o lado esquerdo do rosto no chão. Valeu-lhe a queda uns feios hematomas, um osso da face quebrado e quase duas semanas de licença médica; mas sempre quando me vê, sorri e dá uma espalmada no ar:
— Muito boa aquela do flamingo, hem?! Ha, ha!
Ele sempre troca a ave.»
Fragmento de «Departamento de Obras Públicas».

Faço um mea-culpa: abusei muito de verbos reflexivos, o que pode causar uma certa estranheza no leitor (tal como cair-se ou rir-se), as vírgulas estão um pouco bailarinas, o que pode dificultar a leitura. Não tive tempo (nem paciência) de revisar o fragmento, escrito há já alguns meses.

E ainda em tempo: ciao, Palocci!

domingo, março 26

283. Mùsica i records

Todos temos lembranças e recordações, que se povoam a nossa memória. Ponho aqui u’a música com essa temática, do cantautor espanhol, de língua catalã, Lluís Llach, do Álbum Verges 50 (1980). Fica a tradução dedicada à amiga que me fez lembrar do assunto.

Os meus olhos aqui

Quando o vento é o antigo amigo
que baixa das montanhas para poder te trazer seu beijo
e no amor é bravo e no jogo, fiel.
Penso que tive sorte de poder ter aberto os meus olhos aqui.

Quando o mar é o antigo amante
e entra pelas rochas e amarga a tua pele
e no amor é bravo e no jogo, fiel.
Penso que tive sorte de poder ter aberto os meus olhos aqui.

Quando o tempo... quando o tempo...

Tempo era tempo, quando ainda as bruxas
observavam do alto do campanário
e eram maestras de noites e procelas
com as linhas de vôos regulares.

Venham, meninos, venham; é como num teatrinho,
ei!, canta o galo, levantou-se a cortina,
ato primeiro, pouco a pouco surge o sol.

O plano se revela e o Montgrí se faz um miradouro.

Tempo de filas de carroças preguiçosas
que iam buscando o horizonte,
tempos de alpercatas e bolsa de couro
para ir à escola, e «cara al sol»,
tempos de dizer: «padre: faz mais de um mês
e não sei quantos maus pensamentos eu tive».
«Faça uma promessa, uma promessa».
Tocar as partes é pecado, valha-me Deus,
dez mil infernos estão a queimar, valha-me Deus!
Ai, nos anos cinqüenta, a moral era pelo bastão.

Tempos de cinema a três pessetas
com direito de assoviar [...].
Enquanto os avós praticavam línguas
com os turistas dos arredores:
«Vus tiré tot druat
i després turas quilometres giré cap a la goix.
I ja ho trobareu, ja ho trobareu».
Viu como me entendeu? Com o próximo fá-lo você.
Pssa!, em francês qualquer um se sobressai.
Ai, pelos anos cinqüenta, a sabedoria era pelo coração.

.............................................................................

Quando o tempo é o antico companheiro
que te faz rico em lembranças e pobre no que virá
e com o vento tão bravo e o mar fiel
penso que terei sorte se puder fechar os meus olhos aqui,
penso que terei sorte se puder fechar os meus olhos aqui.

Quando o tempo... quando o tempo...

Els meus ulls aquí

Quan el vent és l’antic amic
que davalla muntanyes per poder-te dur el seu bes
i en l’amor és brau i en el joc fidel
penso que he tingut sort de poder obrir els meus ulls aquí.

Quan el mar és l’antic amant
que et penetra les roques i amara la teva pell
i en l’amor és brau i en el joc fidel
penso que he tingut sort de poder obrir els meus ulls aquí.

Quan el temps... quan el temps...

Temps era temps, quan encara les bruixes
campaven dalt del campanar
i eren mestresses de nits i tempestes
amb línies de vols regulars.

Passeu nens, passeu, és com un guinyol,
ei, canta el gall, s’ha aixecat el teló,
acte primer, a poc a poc surt el sol.

La plana es desvetlla i el Montgrí fa un gran badall.

Temps de fileres de carros mandrosos
que anaven buscant l’horitzó,
temps de llonguet i la bossa de cuiro
per anar a l’escola, i "cara al sol",
temps de dir: "mossèn: fa més d’un mes
i no sé quants mals pensaments he tingut".
"Fes un promig, fes un promig".
Tocar les parts és un pecat, valga’m Déu,
deu mil inferns van cremant, valga’m Déu.
Ai, pels anys cinquanta la moral dins d’un bastó.
Temps de cinema a tres peles
amb dret a xiular pel retall el petó.
Mentre els avis practicaven llengües
amb els turistes dels contorns:
"Vus tiré tot druat
i després turas quilometres giré cap a la goix.
I ja ho trobareu, ja ho trobareu".
Veus com m’ha entès, el proper te’l fas tu.
Pssa, en francès qualsevol se’n surt.
Ai, pels anys cinquanta la saviesa dins el cor.

.............................................................................

Quan el temps és l’antic company
que et fa ric en records i pobre en el que vindrà
i amb el vent tan brau i amb la mar fidel
penso que tindré sort si puc tancar els meus ulls aquí,
penso que tindré sort si puc tancar els meus ulls aquí.

Quan el temps... quan el temps...

sexta-feira, março 24

282. El no-do de «Machadada»

O fato que mais me chamou a atenção nos jornais essa última semana (porque a corrupção no Governo, valeriodutos, okamotodutos e outras imundícies já não são novidade alguma), foi o anúncio do cessar-fogo do grupo separatista basco ETA (Euskadi ta Askatasuna, País Basco e Liberdade em basco).
E lembrando de certos adágios populares que circulam boca a boca, algumas pessoas dão graças a Deus de não termos terremotos, ciclones (não mesmo? E aquilo em Santa Catarina, ano passado, que foi?) e outras calamidades naturais de grande magnitude, nem terroristas. Pois eu ainda preferiria um grupo terrorista à nossa corja política. Estamos em troca; quem topa?

E para quem não sabe o que significa o «no-do» do título, pode vê-lo aqui.

P. S.: o capuz dos nacionalistas bascos, dá-lhes um certo ar de esquete do Monty Phyton, não dá?

sábado, março 18

281. Três notas finisseptimanais

I
Cesária Évora

Ontem, sexta, comprei-me na banca de livros usados da Faculdade, o São Vicente di Longe, da Cesária Évora. Que posso dizer; é simplesmente ótimo. Fora que bati de frente com algo que conhecia somente na teoria, por via de uma monografia da Faculdade que fiz no já cada-vez-mais longínquo primeiro ano: o crioulo de Cabo Verde. Realmente, sem o encarte do cd, torna-se incompreensível, mas não desprovido da devida melifluidez na belíssima voz da cabo-verdiana.

II
Grafias do coração

Fico na obrigação de explicar a opção de grafia a Sem Cantigas. A antiga unidade monetária espanhola, a peseta, faz parte do meu vocabulário fundamental. Primeiro, pela minha condição de numismata amador desde pequeno e depois, por causa da minha avó, que eventualmente conta suas histórias-de-espanha e nelas refere-se a velha moeda. Em espanhol, como é notório, independentemente de onde esteja na palavra, tem sempre som surdo, ou seja, o que pode ser chamado de «som primordial» do esse, o primeiro associado ao esse gráfico, a própria idéia de som evocada pela letra. Ouvi sempre a moeda dita com o esse surdo; mas quando dei de cara com a grafia (com uns seis ou sete anos) eis que ali, ao contrário do pregado pela professora Elza, um esse entre dente duas vogais que não tinha som de zê, ou seja, não-sonoro. Um dia – não sei porquê raios de razão, quais assuntos que invocam a palavra que esquecemos o assunto e não a palavra – pronunciei-a perto da minha prima, que me corrigiu a pronúncia de sonora para surda; não, «pezeta» não entra na minha cabeça.
Até que um dia, vendo por um sítio de cédulas de coleção, dou de cara com uma cédula de uma pesseta, impressa na Catalunha durante a Guerra Civil (1936-9) e ao invés do una peseta espanhol, eis que a grafia, em catalão, apontava o valor da cédula una pesseta. Pronto, uma solução gráfica; acredito mais coerente e também me é cordial.

III
Per a llegir

Um interessante portal sobre literatura catalã: Lletra.

sexta-feira, março 17

280. Social-democracia e hepatite

Palácio do Planalto, Brasília

Aparentemente, são termos que pouco têm a ver. Se associados há uns cinqüenta ou sessenta anos atrás, seria motivo de celeuma. Mas hoje, no nosso país sem espectro político, pois todos os partidos comportam-se da mesma maneira, ao sabor das vagas do Grande Capital, essa afirmação faz-se por associação.
O Partido da Social Democracia Brasileira, mais conhecido pela sigla PSDB associou o seu ideário de cunho neoliberal (que de social-democrata não tem nada) com a infeliz escolha do amarelo para as flâmulas e material partidário, ou seja, a cor do partido em si. Não bastasse a cor infeliz, o animal totêmico escolhido é um tucano, que para mim, ao menos, nada significa: um tucano não é uma águia, não é um pica-pau, nem uma galinha; animais que temos em associação de que fazem ou são algo em especial: altivos, danificantes ou botadores. E um tucano? O que faz um tucano? Nada. É um pássaro que sobe na galhada das árvores do Pantanal e de lá de cima, olha o movimento – ou a falta dele – tão-somente. E assim se comportaram os tucanos no poder, os dois governos Fernando Henrique (1995-2001), simplesmente deixaram as coisas correrem: uma política econômica sufocante, arrochos salariais, descaso com o patrimônio público e uma sistemática e prejudicial política de desestatização (o exemplo mais notório é o das ferrovias: ruim com o Estado, pior sem ele).
O ainda vigente governo Lula, apesar das expectativas de ser um governo de esquerda (esquerda mais verdadeira, pelo menos à primeira vista), decepcionou muito o eleitorado, e no pior sentido: deu continuidade á política econômica do Governo anterior – se bem que as privatizações diminuíram a velocidade.
Bem, o que quero ressaltar não é quanto tem sido cretina e menefreguista a política do Brasil, mas sim a sanha amarela.
Já em ano eleitoral, começam a levantar-se os candidatos para o primeiro turno. A nossa social-democracia resolveu lançar mão do seu quadro paulista, e indicou para candidato à Presidência da República, ninguém menos que o atual Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckimin – maliciosamente chamado de picolé de chuchu por um ferino cronista, mas alcunha muito justa. E para o suceder no Governo do Estado, indicou-se o atual Prefeito da Capital paulista, José Serra. Os tucanos estão tentado fazer-se águias novamente, querem a Presidência e o Governo do Estado mais rico da Federação. Poder e dinheiro; o lugar comum é quase inevitável.
O que mais tem irritado no comportamento do tucanato é a péssima pose de oposição. São notórios os escândalos dos governos fernandinos – eximo-me de citá-los; e no atual governo, passados à oposição e aproveitando-se do prato-cheio que foi o escândalo do Mensalão – que até agora reverbera pela imprensa – os tucanos comportaram-se como duas outras aves: primeiro, gralhas, e depois, urubus.
Também ao nosso governo rosa-socialismo-de-butique mostrou bem o famoso adágio: o poder corrompe; além do fato já citado de continuar a seguir a cartilha dos governos anteriores, vão seguindo a linha riscada pelos donos do dinheiro.
É engraçado, mas qualquer partido que suba ao Planalto será exatamente a mesma coisa; pode dizer-me comunista, social-democrata, trabalhista, democrata-cristão, direita, católico, integralista: todos iguais. Isso se nota pelos discursos, todos curtidos no mesmo molho sonso do bom-mocismo afetado, das palavras moles angariadoras de votos, um sutil populismo e uma sorridente demagogia amainada. Nossos políticos nem de retórica entendem mais; uniformizaram até os discursos.

quinta-feira, março 16

276 bis. Um ponto de vista valenciano

Publico aqui a tradução do comentário feito pelo Miquel, do Eines de llengua, sobre a questão do desconhecimento sobre a Espanha (postagem 276). Confesso, Miquel, que as suas afirmações deixaram-me um pouco surpreso. Traduzo, porque o inglês anda a cegar os lusófonos de ultramar. Mas vamos lá; primeiro o texto em português e mais abaixo, a versão original em catalão.

A situação que descreves, Sérgio, podemos encontrá-la no próprio Estado Espanhol, por exemplo, principalmente na região da Castela. Seja com a impostura ou por sinceridade, há pessoas que demonstram incredulidade e surpresa ao inteirar-se que existem «espanhóis» que não falam espanhol durante meses – como eu próprio – e que mesmo assim vivem tranqüilamente. Às vezes dizem ter a impressão que assim fazemos apenas para molestá-los…

Assim, pelas «regiões subsidiariamente espanholas» usamos passivamente o espanhol no dia-a-dia: quando estabelecemos um diálogo em duas línguas com hispanófonos que entendem – porém não falam – as nossas outras línguas – fato habitual onde o catalão é oficial: Catalunha, País Valenciano e Ilhas Baleares [e Andorra, estado independente] – ou quando usamos os meios de comunicação em espanhol (ocorre algo similar em outros territórios onde o catalão é língua própria: Aragão, Múrcia e Alghero [Itália]).

Quem pensa que a Espanha é uniforme cultural ou lingüisticamente, é porque não conhece realmente a Espanha ou porque consome excessivamente a propaganda gerada a partir dos centros de difusão da «hispanicidade mal entendida», que têm uma longa tradição acultural e antidemocrática nos centros do poder estatal (e derivados).

La situació que descrius, Sérgio, la podem trobar a l'estat espanyol mateix, per exemple, cap a la banda de Castella. Siga com a impostura o sincerament, hi ha persones que mostren incredublitat i sorpresa en assabentar-se que hi ha «espanyols» que no parlen en espanyol durant mesos --com jo mateix-- i que viuen tan tranquil·lanent. A voltes diuen que els sembla que ho fem només per molestar...
Això sí, pels «països subsidiàriament espanyols» usem passivament l'espanyol quotidianament: quan establim un diàleg en dos llengües amb hispanoparlants que entenen --però no parlen-- les nostres altres llengües --fet habitual als territoris on el català és oficial: Catalunya, País Valencià i Illes Balears [i Andorra, estat independent]-- o quan usem els mitjans d'informació en espanyol. (S'esdevé una cosa semblant a altres territoris on el català és llengua pròpia: Aragó, Múrcia i l'Alguer [Itàlia].)
Qui pense que Espanya és uniforme culturalment o lingüísticament, és que no coneix Espanya realment o que consumix massa propaganda generada des dels centres de difusió de l'«espanyolitat mal entesa», que tenen una llarga tradició acultural i antidemocràtica en els centres del poder estatal (i derivats).


terça-feira, março 14

279. Rascunhos: o trem

É pegar o trem, que vem esborrifando água (que água?) em quem está na plataforma, os pantógrafos vêm cantando a velha canção nos cabos, como o arco e as cordas de um violino. Dia nublado. O trem provoca um arranco de vento fazendo esvoaçar cabelos um e outro papel que vem voando não se sabe bem de onde. Entram todos, procuram primeiro os bancos junto das janelas, mas o acrílico fosco das janelas não ajudam muito a ver lá fora. Ali um senhor obeso ocupa banco e meio, obrigando a jovem senhora a ficar com meia anca somente sobre o banco, o resto apóia-se sobre um trecho de balaústre. Um e outro de pé, junto das portas. Parte o comboio, e como às vezes os motores eléctricos desligam – pois são autônomos, cada vagão tem uma unidade motriz – religam dando um considerável solavanco, o suficiente para acabar com um cochilo.
É um trem, sobre os trilhos – e vão as rodas batendo contra as eventuais emendas das peças dos trilhos, aparatos de desvios, fazendo aquele tão notório rumor do trem em movimento. Chia nas curvas, inclina docemente, reduz subtilmente a velocidade e eis que surge uma nova estação, muito similar de onde se saiu há pouco, menos ampla, só que sem a cobertura central, mais luminosa. O trem espantou os pombos que valsavam a sua eterna valsa amorosa na ponta da plataforma. Seis minutos de uma estação à outra, o relógio da plataforma avisa. Pára o trem, não sem antes um resfolegar de ar comprimido – do mecanismo das portas. Estou junto da janela, olhando para a plataforma de pedra, vazia. O bilheteiro, do outro lado, na sua diminuta cabine, percebe o meu olhar inspetor e manda-me um bem insolente e audacioso; mudo o ângulo de visão. As pombas – talvez não sejam as mesmas, certamente não são – vêm novamente à plataforma, disputam farelos sabe-se lá do que, que por acaso estão na plataforma. Essas cenas repetem-se, todo dia, vou indo com a cara estampada no acrílico da janela. Como diz uma certa música, «la pigrizia è la tua regina, il pensiero vagabondo è il re».
Mas há algo fora do comum hoje; uma música estranha. E do lado externo da estação, uma fanfarra de cinco velhinhos toca uma marcha animada e bufona, constrastando com todo o resto, inclusive no vermelho dos seus uniformes.

domingo, março 12

278. Foi tarde

Foi encontrado morto ontem, em sua cela, o Açougueiro dos Bálcãs, ex-presidente da Iugoslávia, Slobodan Milosević. Que o diabo o carregue.

277. Decorum est pro patria mori


Para o Orlando.

Existe, existe sim. E é cantabile. Existe uma versão do Hino Nacional brasileiro em latim; consta das últimas páginas da notória Gramática Latina do Prof. Napoleão Mendes de Almeida. Metrificada e cantabile; segue a letra, adaptada por Mendes de Aguiar. Brasil, nova Roma.

I

Audierunt Ypirangae ripae placidae
Heroicae gentis validum clamorem,
Solisque libertatis flammae fulgidae
Sparsere Patria in caelos tum fulgorem.

Pignus vero aequalitatis
Possidere si potuimus brachio forti,
Almo gremio en libertatis,
Audens sese offert ipsi pectus morti!

O cara Patria,
Amoris atria,
Salve! Salve!

Brasilia, somnium tensum, flamma vivida,
Amorem ferens spemque ad orbis claustrum,
Si pulchri caeli alacritate limpida,
Splendescit almum, fulgens, Crucis plaustrum.

Ex propria gigas positus natura,
Impavida, fortisque, ingensque moles,
Te magnam praevidebunt jam futura.

Tellus dilecta,
Inter similia
Arva, Brasilia,
Es Patria electa!

Natorum parens alma es inter lilia,
Patria cara,
Brasilia!

II

In cunis semper strata mire splendidis,
Sonante mari, caeli albo profundi,
Effulges, o Brasilia, flos Americae,
A sole irradiata Novi Mundi!

Ceterisque in orbi plagis
Tui rident agri florum ditiores;
«Tenent silvae en vitam magis,
Magis tenet tuo sinu vita amores.»

O cara Patria,
Amoris atria,
Salve! Salve!

Brasilia, aeterni amoris fiat symbolum,
Quod affers tecum, labarum stellatum,
En dicat aurea viridisque flammula
Ventura pax decusque superatum.

Si vero tollis Themis clavam fortem,
Non filios tuos videbis vacillantes,
Aut, in amando te, timentes mortem.

Tellus dilecta,
Inter similia
Arva, Brasilia,
Es Patria electa!

Natorum parens alma es inter lilia,
Patria cara,
Brasilia!

sexta-feira, março 10

276. Espanhóis, bascos e o mundo


Ao Samuel

A postagem abaixo (275) ficou praticamente três dias sem um único comentário, e assim permanece. Talvez isso reflita um pouco a falta de interesse pela Espanha e alguns aspectos próprios seus. Reflete um pouco até, do que pensam os meus co-nacionais sobre a Espanha e toda choldra que acorre aos agora tão populares cursos de língua espanhola (castelhana é mais condizente…). Lembro-me de certa ocasião, quando cursava ainda o Colégio técnico, eu tinha uma colega de sala que fazia o curso de Espanhol, aquele oferecido gratuitamente nas escolas estaduais. Do curso, ela tinha uma camiseta com o mapa da Espanha dividida em regiões; mas sempre que ela se punha a falar algo em espanhol, usava o sotaque portenho e dizia «papas» ao invés de «patatas» e outras coisas mais.

«Mas na sua camiseta tem o mapa da Espanha, porque você usa sotaque portenho?», perguntei um dia, por gracejo, esperando ouvir, alguma resposta coerente.

«Ué, o espanhol da Espanha é diferente?». Ora, é a mesma coisa dizer que falamos tal-qual aos portugueses, a língua é a mesma, mas os usos mudam. Se já falamos bem diferente do pessoal do Rio, que dirá do de Lisboa.

«Claro que é… oras!».

«A sua vó fala diferente de mim?» Ela sabia que a minha avó era espanhola, galega, para maior exactidão.

«Minha vó só sabe o espanhol de escola e o que ela teve de decorar do Cervantes…»

«Como assim? A sua vó não fala espanhol?!»

«Ué, vai me dizer que você acha que se fala só espanhol na Espanha inteira?»

«E não? Por acaso se fala francês na Espanha também? E se a sua vó não fala espanhol, como se comunicava na terra dela?!»

Evidente de diante de tais conclusões, retive-me ao máximo a oratória. Esquecida foi novamente, a probe xente galega.

E assim as coisas andavam e continuam a andar. Fala-se que se está aprender um pouco de catalão, por exemplo, e é quase a mesma coisa se fosse dito que se está a aprender esquimó ou suaíli; e o catalão é uma língua neolatina, como o nosso bom português, sensivelmente mais fácil que o francês, por exemplo. Chegaram a indagar-me já se a Catalunha localizava-se na Itália, visto que a pessoa que me fez a pergunta sabia da minha opção pelo italiano na Faculdade.

Lembra-me também minha mãe, quando discutíamos certa vez sobre algo relacionado à Espanha e a conversa caiu no ETA. Falei de algumas diferenças entre o País Basco e o restante da Espanha em geral, enfatizando a questão da língua.

«Mas o dialeto é tão diferente assim?»

«Dialeto?! O basco? Dialeto de que?»

«Do espanhol, oras!»

«Mãe, o basco não é nem indo-européia, que dirá latina… ou melhor, nem se sabe se pode ser considerada indo-européia… já se falava basco na península antes da expansão celta e evidentemente antes dos Romanos, do latim e do castelhano…»

Mostre-lhe um texto impresso, numa coluna, escrito em espanhol e na coluna vizinha em basco…

«Nossa, isso não dá pra falar… quantos kk…? Tem gente que usa isso?»

«Tem sim, mãe… claro que tem…» disse entre suspiros e afastando-me.

Evidente que são exemplos isolados e tirados da minha vivência, mas idéia das gentes é mais ou menos essa: vêem uma Espanha monolítica lingüisticamente (castelhano)

Certa vez, acusaram-me de monotônico, por causa dos assuntos ibéricos; mas se ninguém fala, quem vai falar? E é isso que dá só pensar no dinheiro para o bife e deixar o resto de lado. Que me acusem de monotônico e excêntrico, não quero fazer mesmo parte da maioria: nunca foi meu objetivo ficar dentro da «média», que evoca medíocre.

E o «assunto espanhol», uso-o de metáfora quase, antes fosse somente o desconhecimento sobre as coisas de Espanha. Hoje em dia, por causa das pressões e falta de tempo, simplesmente ignora-se tudo quanto «não interessa». E o que mais me irrita é, quando você se dispõe a dizer algo, acreditando que está a colaborar com a pessoa (pois é assim que vejo quando alguém me diz algo, relata-me coisas e fatos) e ela simplesmente desdenha e dá pouca importância. Assim segue o mundo: de mal a pior; e é o que alguns (vocês já devem fazer idéia de quem, aqueles quens nebulosos e poderosos: os donos do banco no qual você tem conta, dos monopólios de softwares, que movem as guerras por interesses econômicos, e que lhes fazem consumir tudo o quanto) preceituam: continuem a ler a cartilha deles; são as velhas trevas ressuscitando.

P. S.: aproveitando, caso alguém tenha problema em discernir o que é a fotografia.

terça-feira, março 7

275. A Espanha e sua guerra

«[…] Quarenta e oito igrejas e outras instituições religiosas foram incendiadas. Trabalhadores bêbados dançaram como maníacos pelas ruas com os cadáveres desenterrados de freiras. […]» p. 29 - Primeiros problemas da Segunda República Espanhola (1931-39); distúrbios anticlericais em Barcelona.

«Politicamente, desde os começos da Idade Média pelo menos, a Assembléia, composta de representantes de todos os homens maiores de vinte e um anos, reunia-se à sombra de um carvalho em Guernica, Biscaia. Ali o monarca, ou, mais comumente, o seu representante, juraria respeitar os direitos dos biscainhos.» - p. 73.

Ambos os trechos foram extraídos d’«A Guerra Civil Espanhola», de Hugh Thomas, Editado pela Civilização Brasileira em 1964.

O primeiro trecho, transcrevi-o por mera singularidade do acontecimento, embora entendendo seus motivos; mas me pareceu excessivamente bizarro; tipicamente coisa de bêbado, um protesto mais-que-bem-feito. Aplaudo de pé.

A árvore de Guernica

O segundo, ao contrário, deu-me alguma satisfação extra, daquelas «quando as coisas se encaixam», dando aquele estalinho agradável do encaixe a molas e trancas. A árvore de Guernika (Gernikako Arbola) agora sim, faz todo sentido. À primeira audição, imaginei que fosse algo relacionado ao covarde bombarbeio da cidade vasconça pela Legião Condor da Luftwaffe, em 1937; não, é anterior: a música remete ao século XIX, mas não imaginei que a árvore de Guernica realmente existisse como facto concreto. Imaginei-a uma figura de linguagem, obscura para mim, por certo. O bardo José María Iparraguirre fez a música aludindo à liberdade do povo basco e usando o célebre qüerco como símbolo.

N. B.: embora meu inglês seja absolutamente deficiente (mea culpa), o livro parece-me mal traduzido; opinião intuitiva.

P. S.: é uma ótima opção a Wikipédia. Assim se amarram os assuntos.

segunda-feira, março 6

274. Paranapiacaba

«[...]
Ficam nas suas casas de madeira,
continentes um silêncio sepulcral,
continentes de suspensão,
em que a lenta sucessão das efemérides
é registrada em xilogravura
pelos dentes das térmites.»

domingo, março 5

273. Sem palavras

272. Domenicália

Vizinhos: além de surdos, têm péssimo gosto musical.

*

Vizinhos: por quê tê-los?

sexta-feira, março 3

271. Alemães mentem

«O Trabalho liberta» ou «O Trabalho torna livre». É o que está escrito a ferro nesse portal. E sabeis de onde é esse portal? É a entrada principal do Campo de Concentração de Auschwitz, na Polônia. Juro que depois dessa descoberta (feita há já um bom tempo) o trabalho pesa-me muito.

Caça-trouxa: nacional-socialismo, governo-geral da Polônia, Reichskammermusik, Conexão Argentina.

quinta-feira, março 2

270. Faz-de-conta republicano

Que bons ventos varram a Monarquia de vez, mas temos de admitir que, pelo menos eles não mentem como os nossos Republicanos de plantão:
«”Doravante teremos todos outro laço de fita, verde e amarelo. Serão as cores nacionais”. O amarelo representa a Casa de Habsburgo (Dona Leopoldina) e o verde representa a Casa de Bragança (Dom Pedro I).» (extraído do sítio da Casa Imperial Brasileira).
Não vejo nenhuma referência às nossas matas – que o fogo queimou – nem ao nosso ouro – que Portugal levou – como teimam em nos ensinar na escola. Era mais honesto dizer que até hoje, cento e quinze anos depois da Proclamação da República – proclamada por quem? e para quem? – continuamos a usar a cor de duas casas reais européias; continuamos a ser cordialmente monarquistas. Isso mostra nossa relutância em acabar com certas corjas que se comportam tal-qual – senão pior – que famílias reais.

Não há Bilac que salve o nosso pavilhão da Justiça e do amor.